Tradições
e contradições 2
Por Walter da Silva
Meu
primeiro empregador, diretor-presidente de uma empresa de outdoor ainda
existente, odiava profundamente Fidel Castro, o comandante. Seu funcionário,
com 16 anos e começando a vida profissional, ouvi uma vez de sua boca: ”O mal
por si se destrói”. Essa frase foi pronunciada com tanto asco, que destilava na
cara dele um rubor de quem estava vaticinando o fim de Cuba, da revolução, da
liberdade. Ficava evidente que ele gostaria muito de, como os americanos
idiotas de Miami, fazer piquenique e bordel nos hotéis da pérola do Caribe sob
o beneplácito de Fulgêncio Batista. Tudo isso foi devidamente provocado por
mim, um adolescente metido a besta, mas relativamente bem informado. É que
resolvi defender a guerrilha contra o tio Sam. Consequentemente, ele me retirava
das oficinas de pintura e me transformava num escriturário, porque eu havia
ganhado um curso de datilografia.
Num
colégio do bairro da Encruzilhada, Recife, o diretor me custeou o intensivo,
por eu haver desenhado o retrato da matriarca, mulher do próprio. Sendo assim,
me transformei no primeiro adolescente “gerente” de escritório, na prática
rotineira dos “slips”, preparação da folha de pagamento e outras ninharias de
uma microempresa. Talvez por isso, tenha me tornado um Administrador
profissional mais tarde. Mas a vacafria, o tema Cuba de Fidel, continua em
pauta e minha memória não vai falhar.
A família
Santos, tendo à frente o patriarca, um homem de estatura baixa, que fazia
questão de passar o indicador de baixo pra cima do antebraço aparando o suor e
levando-o ao meu nariz, era de classe média alta. Esse homem, tal professor
Capibaribe, trazia no nome um ar aburguesado, a começar pelo perfume francês
que usava. Admirado pela rafaméia de Campo Grande, subúrbio da zona norte do
Recife, andava posudo e jactante.
Ressalte-se que, ao conversar com ele, pude sentir de perto, sua aversão aos vitoriosos da Baía dos Porcos, contra os gringos. Sem dúvida, o comandante da empresa de outdoor aprendera com o pai a mesma lição de anticomunismo visceral. Não foi à toa que apoiaram intransigentemente a passeata nacional chamada “Marcha com deus pela liberdade”, um aperitivo vestibular para a tomada de poder pelos militares em 1964. Eu, simpatizante e membro da UMES/União Metropolitana dos Estudantes Secundaristas, já havia arribado da “Bandeirantes outdoor” me preparando para ingressar na SUDENE, onde muito pude aprender sobre política.
Ressalte-se que, ao conversar com ele, pude sentir de perto, sua aversão aos vitoriosos da Baía dos Porcos, contra os gringos. Sem dúvida, o comandante da empresa de outdoor aprendera com o pai a mesma lição de anticomunismo visceral. Não foi à toa que apoiaram intransigentemente a passeata nacional chamada “Marcha com deus pela liberdade”, um aperitivo vestibular para a tomada de poder pelos militares em 1964. Eu, simpatizante e membro da UMES/União Metropolitana dos Estudantes Secundaristas, já havia arribado da “Bandeirantes outdoor” me preparando para ingressar na SUDENE, onde muito pude aprender sobre política.
Ainda
hoje resisto a crer que minha mãe, piedosa devota de Santo Antônio, me tenha
feito afilhado de crisma (!) de um patrão reacionário. Em reconhecimento,
todavia, devo reconhecer que fui aceito em sua empresa para começar minha
futura carreira profissional, embora o pai não gostasse nada disso. Passaram-se
todos os anos envoltos nos episódios que a História registrou inexoravelmente,
fazendo de Cuba, uma ilha com algumas contradições, mas palco de um povo que
ainda hoje aceita, com raras exceções, o grande feito de enxotar Batista.
O bloqueio econômico, as bases em Guantánamo e outras quizombas mais, já constituem por si só, outros quinhentos. Nos filmes e documentários podemos conhecer uma Havana que se destaca pela diferenciação da paisagem social e econômica. A par disso, todos conhecem a frase: “o socialismo exige sacrifícios, o capitalismo, fantasia”. Pudera, não seria nada fácil arrumar uma casa, sobrevivendo de cana de açúcar, sem um solo rico de combustíveis fósseis. Fica evidente também que aqueles que não acataram o triunfo da revolução cubana, a ela não se alinhariam fugindo para o outro lado, invadindo o território americano via marítima. E muitos morreram, milhares foram aprisionados por forças da guarda costeira estadunidense e uma grande maioria deportada. As exceções se encontram naqueles que, dominando o idioma e possuidores de algum talento especial, tornaram-se atores e atrizes em Hollywood. Mas se os contam nos dedos das mãos.
O bloqueio econômico, as bases em Guantánamo e outras quizombas mais, já constituem por si só, outros quinhentos. Nos filmes e documentários podemos conhecer uma Havana que se destaca pela diferenciação da paisagem social e econômica. A par disso, todos conhecem a frase: “o socialismo exige sacrifícios, o capitalismo, fantasia”. Pudera, não seria nada fácil arrumar uma casa, sobrevivendo de cana de açúcar, sem um solo rico de combustíveis fósseis. Fica evidente também que aqueles que não acataram o triunfo da revolução cubana, a ela não se alinhariam fugindo para o outro lado, invadindo o território americano via marítima. E muitos morreram, milhares foram aprisionados por forças da guarda costeira estadunidense e uma grande maioria deportada. As exceções se encontram naqueles que, dominando o idioma e possuidores de algum talento especial, tornaram-se atores e atrizes em Hollywood. Mas se os contam nos dedos das mãos.
A
despeito desse quadro desfavorável, depois desses 50 anos da revolução cubana,
a ilha tenta se adaptar às demandas mundiais muito lentamente, mas
vislumbrando, através de alguns, o porvir de uma futura democracia. Não tive
ainda a oportunidade de molhar os pés no oceano que a rodeia, mas tenho
esperança de lá ir um dia. Enquanto isso, ao redor do mundo inteiro, as
notícias se espalham de que, sob os porões dessa “ditadura” que começa a dar sinais
de fadiga, muitos estão trancafiados e, desgraçadamente, muitos foram mortos
pelo regime.
Raul
Castro, braço direito do comandante Fidel, assumiu o poder com o apoio maciço
da população. No noticiário internacional, uma cubana e blogueira chamada Yoani
Sánchez, transformou-se em um ícone pela sua campanha em busca de liberdade de
expressão e seus derivados. Depois de muitas tentativas para ganhar o visto de
saída do país, ela conseguiu finalmente e se prepara inclusive para conhecer o
Brasil, a Bahia em particular.
Ciente
dos erros cometidos e alguns excessos que toda revolução pratica
conscientemente, continuo admirando Fidel. Não pelas retaliações, pelos atos de
vingança, pela fúria da vitória. Admiro-o pelo desprendimento, pelas ações
pontuais e pelo quase messianismo, quando tentou ser Davi diante do gorila do
ainda imperialismo internacional: os Estados Unidos da América. Tenho uma filha
casada com um xará ítalo-americano e aculturada por lá, em Boston. Mas jamais
diria a ela, em qualquer circunstância, o que meu primeiro empregador me disse.
Se a busca da liberdade é um mal, então somos todos maldosos ou, ao contrário,
nosso maniqueísmo é apenas de fachada, falso o suficiente para não distinguir o
que realmente pode nos destruir.
*
Escritor
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