Diogo, meu amor
Por Urda Alice Klueger
Eu estava vindo da Universidade, onde acontecera uma fascinante semana de estudos sobre a América dita Latina e, presa no mar de trânsito das seis da tarde, pensava em Diogo. Lento como uma serpente, o transito contornava a ponta da Ilha, ia aos poucos mostrando o prédio de Diogo, a varanda dele, a janela do seu quarto! Impossibilitada de qualquer coisa material a não ser seguir o fluxo do trânsito, vinha vindo um pouco antes divagando, pensando nas coisas maravilhosas que aprendera durante a semana, principalmente o que soubera sobre uma Universidade Indígena que já existe no Equador, onde primeiro se desaprende as coisas que o aprendizado eurocêntrico enfiou na cabeça das pessoas, para depois se aprender a aprender as antigas sabedorias das antigas gentes deste meu continente tão amado, encantada com tais coisas, quando o contorno da Ilha foi me mostrando o prédio, a janela, a varanda de Diogo. Foi então que Diogo veio para o meu pensamento e o meu coração, como tantas vezes está, e é tão dolorido pensar em algumas coisas!
Eu vi Diogo
a última vez faz quase três anos; foi no dia do aniversário dele, e creio que
naquele dia ele fazia dez anos (ou seriam onze?). Já me perco um pouco, mas sei
que agora ele deve ser um mocinho, deve estar quase a terminar o ensino
fundamental, deve ter sonhos e anseios que não sei, e aqueles olhos tão
expressivos que herdou da mãe dele!
Na noite
daquele dia de quase três anos atrás, eu dormi no quarto de Diogo, e ficamos de
mãos dadas, e ele me contou sobre o Monstro do Guarda-Roupa, ou algum
personagem que tinha um nome assemelhado, e eu estava encantada por sabê-lo tão
grande, tão bonito, tão educado, pois ainda tinha (e tenho) na lembrança a
primeira vez em que o vi, menino de dois dias a chegar da maternidade de
Joinville, onde nascera, perfeito, gracioso e lindo, e aquele seu primeiro
verão como bebê, e o cachorrão de pano que procurei para ele brincar, e depois,
as noites de Natal conforme ele ia crescendo, e as manhãs de Páscoa, e as
brincadeiras na praia e no parquinho do meu prédio, e de como, um dia, ele me
ensinara detalhadamente como é que uma criança deve fazer para não cair da
escadinha do escorregador, quando por ela sobe, aprendizado muito bem feito na
escolinha que freqüentava. Há as fotos desse tempo, quantas fotos! Diogo sempre
foi tão lindo, e como sempre ficou tão bem nas fotos!
Agora, são
quase três anos que não o vejo, e as fotos são ralas, mas mesmo assim me contam
como ele continua bonito, o quanto seus olhos continuam expressivos, e imagino
o quanto deve estar inteligente e educado. Muitas vezes imagino tais coisas, em
qualquer lugar que esteja, mas principalmente quando, como hoje, provavelmente
estive muito próxima dele, e vi o prédio, a janela, a varanda onde decerto
ainda brinca às vezes, onde qualquer dia sentará com uma namorada...
As crianças
crescem rápido, e seus horizontes estão sempre repletos de tantas coisas, de
tantas novidades, e lições novas, e passeios novos, e amigos novos, e aventuras
novas, que rapidamente elas já não lembram mais que existem velhas tias por aí,
velhas tias que não esquecem que há uma varanda, uma janela, e um Monstro do
Guarda-Roupa que talvez as próprias crianças esqueçam, porque a vida corre
inexoravelmente rápida e velhas tias e velhos Monstros são coisas que se perdem
rapidamente na correnteza do rio da vida, porque as crianças são o Futuro e não
podem perder muito tempo com tais filigranas de tias e Monstros, pois lá
adiante há a perpetuação da espécie e a perpetuação da vida do planeta
esperando as providências delas – o que ficou para trás não conta muito, quando
se é criança.
Assim é a
lei da vida, e velhas tias também tem que se conformar com tais coisas. Às
vezes aparece alguma coisa encantadora na Internet, e então mando para aquele
que foi meu menino Diogo, mas o provável é que ele já não se lembre quem é que
manda. Outras tantas vezes passo lá no meio do trânsito, e vejo sua varanda, e
vejo sua janela, e lembro daquele dia de aniversário, quando ainda não sabia que
a vida iria nos afastar, e então choro em silêncio dentro do carro que não
anda, porque dentro do meu coração Diogo está guardado como um passarinho num
ninho, e a saudade é uma coisa muito dolorida. E então, como agora, digo
baixinho, como se ele pudesse ouvir: “Diogo, meu amor!”. E a vida segue, porque
tem que seguir, embora o amor não possa ser contido.
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR
O amor é uma coisa boa, mas a saudade raramente é.
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