Ira de Zebedeu
Por
Marcelo Sguassábia
É claro que estou no céu, junto dos meus dois célebres filhos: João e
Tiago, ambos apóstolos de Jesus Cristo. Moro no paraíso mas minha autoestima há
mais de 2000 anos vive nos quintos dos infernos.
Que não existam muitas pessoas que se chamem Judas, Herodes ou Pôncio,
vá lá, justifica-se. Mas a que se deve a ausência de Zebedeus nas certidões de
nascimento pelo mundo afora? Meu nome é tão bíblico quanto os nomes de meus
filhos, embora meus dois rebentos apareçam mais vezes que eu nas Sagradas
Escrituras.
A propósito, pai de santo (não confundir com a autoridade da Umbanda), e
no meu caso de dois santos, deveria com toda justiça ser tratado como santo
também. No entanto, milhões pessoas se chamam João e outras milhões são
batizadas como Tiago. Mas por acaso alguém conhece outro cristão, além de mim,
que se chame Zebedeu?
Uma explicação para essa repulsa talvez esteja no fato de que Zebedeu é
quase um anagrama de Belzebu. Sim, é uma hipótese. Assim como é provável que
muitos desistam de criar xarás deste que vos fala porque a criança seria a
última a constar nas listas organizadas por ordem alfabética - ficando à frente
apenas de improváveis Zildas, Zoroastros e Zulmiras. Outros podem alegar que o
nome simplesmente é feio que dói, mesmo que este seja um critério subjetivo.
É bom lembrar ainda o desserviço que prestam alguns dicionários, ao
definirem "Zebedeu" como burro, palerma ou abestalhado, disseminando
mais e mais a maldição zebedêutica. Oh, Senhor dos Aflitos, o que será que fiz
de errado para merecer tanta e tão injusta humilhação? Mais triste ainda é ver
aqueles que recebem meu nome como apelido infame, muitas vezes horrivelmente
grafado como "Zé Bedeu". Também já me impuseram a vergonha de associar
minha sagrada pessoa a grupos de forró, blocos carnavalescos e duplas
sertanejas de mal afamado repertório, o que é ainda mais grave e ultrajante
para quem sempre andou na linha enquanto esteve na Terra.
Fosse meu nome mais bonito, certamente a Igreja há séculos já teria me
canonizado. Mas não, fui sendo posto de lado e vendo, com indignação, gente bem
menos santa sendo elevada à santosfera sem maiores embaraços teológicos ou
burocráticos.
Chega, é hora de reabilitar minha moral na praça, custe o que custar!
Para isso, deixo desde já bem clara a minha intenção de abençoar pessoalmente e
proteger cada passo da vida do sujeito que batizarem com meu nome. Será coberto
de bem-aventuranças e terá minha intercessão exclusiva em favor dele junto à
alta corte celeste. Isso eu juro, ou não me chamo Zebedeu.
·
Marcelo
Sguassábia é redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).
Por surpresa, na minha família, o marido da minha tia tinha o hábito de volta e meia falar em Zebedeu, mas sempre de forma depreciativa. Tem razão em reclamar.
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