Sogra
* Por Rodrigo
Ramazzini
- O trio é fogo! Essa era a referencia
repetida quando o assunto envolvia o Rubiano, o Serginho e o Valdemar, mesmo
dentro da própria família. Logicamente, apenas as suas esposas, que eram irmãs,
não sabiam de tal “denominação”. De resto, a fama já tinha ultrapassado
qualquer limite. E, tudo isso, tinha apenas uma razão: a turma gostava da
boemia e das noites estreladas. Uma vez por mês eles davam um jeito de se
reunirem e aprontarem alguma. O futebol era a desculpa mais usada para saírem
juntos. Por aí, se pode imaginar as histórias e as confusões em que já se
envolveram, e, inexplicavelmente, conseguiram até hoje escapar ilesos de todas.
Inclusive, na vez em que o Serginho se envolveu em um acidente de carro na
saída do motel e passou na televisão, ele se livrou... Teve a vez em que o
Valdemar disse que iria a uma partida do Grêmio e na volta para casa errou o
placar do jogo, que foi publicado com ênfase nos jornais do dia seguinte,
enfim...
Mas, essa maré de sorte do trio parecia
ter virado. Era uma sexta-feira. E não era 13. O plano da noite a ser colocado
em prática apontava para irem ao ensaio de uma escola de samba na cidade
vizinha. Música, cervejas geladas e mulatas e loiras sambando. Tudo que queriam
naquela noite. - Isso aqui é o paraíso! Exclamou Valdemar logo na chegada. Porém,
o destino daquela noitada levada a um lugar oposto.
Logo que chegaram ao local que os
primeiros problemas apareceram. Uma amiga da esposa do Rubiano estava lá. Ele
tentou se esconder, mas não obteve sucesso. Ela o avistou e apontou-lhe o dedo
como quem diz “tu aqui, vou te entregar...”. Pensaram em ir embora, mas o
estrago já estava feito. Era aproveitar e “deixar a casa cair” depois. Sentados
ao redor de uma mesa, Rubiano concordou, mas não conseguiu ficar à vontade com
aquela situação. Foi então que Valdemar fez o comentário:
- Não é essa aí que é amante do dono da
joalheira?
Bingo. Achara a saída. Nada melhor do
que a chantagem para obter o silêncio. Valdemar levantou-se e foi em direção à
mulher. Trocou meia dúzia de palavras ao “pé do ouvido” dela e voltou sorrindo.
A tática aparentemente dera certo...
Aliviados com a resolução do problema
surgido na chegada ao ensaio da escola de samba, a turma sentou-se ao redor de
uma mesa e começou a beber uma merecida gelada. Lá pela quarta garrafa, já
entrando no clima do ziriguidum e no
sacolejo das passistas, ao olhar para o lado e avistar uma pessoa, estático e
sem acreditar no que vira, Rubiano bateu no ombro do Valdemar e perguntou,
pressentindo que um novo problema acabava de surgir:
- Meu! Por favor, me diz que essa de
vermelho, bem à tua direita, não é a nossa sogra!
Assustado e sem qualquer tipo discrição,
Valdemar virou-se e teve apenas a reação de dizer:
- Putz! Caiu a casa...
A sogra, vendo o trio sentado, rumou até
a mesa. Dona Nêna, assim chamava-se. Viúva e independente, era de conhecimento
público que ela também gostava da noite. Vivia em festas e bailes, mas nunca
tinha cruzado com os genros, por isso a apreensão de como seria a sua reação ao
vê-los na boêmia. Foram segundos de angústia dos três mosqueteiros até Dona
Nêna abrir a boca e dizer:
- E aí, rapazes! Tudo bem? Muito bom
aqui, né? Bom! Só vim cumprimentá-los, afinal, vocês não saíram com a mala da
sogra. Divirtam-se, não bebam muito e comportem-se, hein?
Falou e saiu sorrindo. Rubiano, Serginho
e Valdemar ficaram mudos. O máximo que fizeram foi esboçar um sorriso. Não
esperavam esse tipo de compreensão da sogra com noitadas. Olharam-se e Rubiano quebrou
o silêncio:
- A gente não conhece a “véia”!
Realmente, não conhece...
Valdemar e Serginho concordaram. Apesar
dos anos de convivência, a relação entre o trio e a sogra sempre foi regido
pelo lema “sogra é sogra e vice-versa!”, com toda a carga que o termo traz. E, assim a tratavam. Com muito respeito, mas
sem muita intimidade.
Refeitos do susto, Serginho foi buscar mais
uma cerveja. Quando retornou ainda em pé ao redor da mesa, cogitou novamente em
irem embora.
- Agora! Vamos ficar! – Decretou
Valdemar!
Não foi a decisão acertada. Cerca de
quinze minutos depois, como um trem desgovernado, em fila, as três esposas
rasgam a multidão em direção à mesa do trio. Quando chegam, bufando, a mulher
do Rubiano, batendo na mesa e dando-lhe uma “bolsada”, questiona:
- Bonito, Rubiano! Cachorro, sem vergonha!
Safado! Futebol com os amigos, hein? É isso aqui? No meio dessas vagabundas?
Quero ver me dar uma explicação agora?
A pergunta final ganha o apoio de dois
“eu também” das outras duas esposas. Segundos de silêncio. Não havia
explicação. Rubiano tentou iniciar um – Não é isso que estão pensando... Mas,
foi interrompido quando ecoou em alto tom a indagação em meio ao tumulto:
- Posso saber que confusão é essa aqui?
Como um coral, o que se ouviu a seguir
foi:
- Mãããããe!
Dona Nêna, a sogra, surpreendentemente,
interviu na situação para alívio do trio boêmio. Segurando duas garrafas nas
mãos, diante do silêncio, ela questiona novamente:
- Alguém vai me explicar que confusão é
essa ou não?
A esposa de Valdemar inicia a resposta,
questionando:
- Mãe! O que a senhora faz aqui? A
senhora sabia que eles estavam aqui?
- Claro! Fui eu quem convidou! Respondeu
Dona Nêna.
Com a resposta, as esposas “desarmaram”.
Valdemar, Rubiano e Serginho, mesmo sem entenderem a “ajuda”, ficaram aliviados.
E, com a maior naturalidade e forte dose de “cara de pau”, Rubiano completa a
frase da sogra:
- Era o que ia começar a explicar a
elas, Dona Nêna!
As filhas da Dona Nêna não hesitaram e
pediram mais explicações da mãe, que com irritação, lascou:
- Vocês atrapalharam tudo! Estávamos
reunidos elaborando uma festa surpresa em comemoração aos cinco anos dos
casamentos de vocês no próximo dia 18!
Para economizar, os três casamentos
foram realizados no mesmo dia. Valdemar casou-se com Maria depois de 13 anos de
namoro. Rubiano trocou alianças com Maristela após sete anos juntos. E
Serginho, depois de dois anos na “família”, juntou as escovas de dente com a
Marla.
A afirmação da Dona Nêna ganhou ares de
decreto. O trio de esposas quase pediu desculpas públicas pelo ato, enquanto o
trio “boêmio”, por telepatia, pensou a mesma coisa: “Bah! Tinha esquecido este
lance do casamento”.
Mesmo com tudo aparentemente resolvido,
os casais decidiram ir embora. Menos Dona Nêna, que ficou na festa e, ainda,
despediu-se dos “meninos” com uma piscada de olhos, deixando-os intrigados.
No dia seguinte. Ao chegar à casa da
sogra, Rubiano foi o “premiado” em descobrir os motivos da ajuda do dia
anterior. Dona Nêna narrava o fato a uma vizinha pelo muro, sem perceber a
presença do genro.
- Ajudei os meninos! E ajudaria de novo,
sim! Eles fazem tudo pelas minhas filhas. Dão tudo do bom e do melhor para
elas. Elas são felizes! E não vai ser uma noitada que vai acabar com os
casamentos. Digo isso de experiência própria... Tu lembras como o falecido
Valdir me aprontava. Pois é... Mas, era um ótimo marido!
Pronto. Estava tudo esclarecido. “O
falecido meu sogro gostava da noite, por isso a compreensão da Dona Nêna”,
pensou Rubiano. Ainda, descobriu que o trio tinha praticamente “passe-livre”
para cair na gandaia com a sogra. Era só administrar e não passar dos limites.
Logo telefonou e contou a novidade para Serginho e Valdemar.
Mesmo sabendo dos motivos que levaram
Dona Nêna a agir daquela forma na noitada do samba, desde então, para não
arriscar e por precaução, afinal, não é sempre que se ganha uma aliada desse
porte, o trio passou a tratá-la como uma “deusa”. Era a sogra pedir algo, que
um dos três saía desenfreado para atender ao pedido. Sem contar que viraram
motoristas particulares dela. Era uma briga e um “eu levo prá”, “eu levo pra
lá” a toda hora. E sempre que o trio “vai cair na noite” novamente, um deles
telefona antes para Dona Nêna e, em código, avisa:
- Precisamos de benção hoje, minha
sogra!
Com um sorrisinho no rosto, ela responde:
- Vocês não têm jeito mesmo... Benção,
meus filhos!
*
Jornalista e contista gaúcho
Completamente original. Parabéns! Dei risadas, por que gostei demais.
ResponderExcluirObrigado, Mara!
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