segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Assombroso desperdício

O problema da fome, que nunca foi novo, mas que – dada a globalização determinada pela avançada tecnologia de comunicação de que a humanidade dispõe atualmente – é cada vez mais conhecido e, portanto, poderia ser, até facilmente, solucionado, aumenta. É certo que em números relativos à população mundial, até que se verifica razoável redução de famintos em várias partes do mundo. Todavia, em termos de absolutos (que é o que conta), ou seja, na quantidade de seres humanos que não têm com o que se alimentar, o problema cresce, e escandalosamente.

Tempos atrás, quando não existiam veículos tão ágeis e tão fartos de difusão de informações, pessoas até mesmo bem intencionadas (e dispostas a partilhar o que lhes sobejava com quem não dispunha sequer do mínimo para garantir a sobrevivência), argumentavam que não ajudavam esses necessitados nos limites extremos da miséria, porque não sabiam quem eles eram e onde estavam. E que, quando eram informadas a respeito, já era tarde. A maioria dessa horda de famintos já morrera em decorrência da inanição. Essa desculpa até que fazia certo sentido. Mas, e hoje, qual o pretexto para não socorrer esses nossos semelhantes que, por uma série de circunstâncias, se vêem nessa contingência extrema?

Falta de informação, convenhamos, não é. E muito menos indisponibilidade de alimentos. Fica no ar, portanto, a incômoda pergunta de um dos personagens do romance “Balada Africana”, de Stuart Cloete (Boa Leitura Editora) que questiona, perplexo: “Por que hoje, no nosso mundo maravilhoso que está repleto de correias, de rodas e de polias, que giram e giram sem cessar; que está repleto de matérias plásticas e de outras coisas mágicas; a maior parte dos homens passa fome? E de que serve um tostador elétrico de pão, se não há pão?”.

As causas dessa carência extrema são múltiplas e vão desde políticas alimentares equivocadas dos governos, notadamente de países subdesenvolvidos (e isto quando estas existem, pois muitos deles sequer se dão o trabalho de cogitar dessa questão), passando pela falta de solidariedade, pela ganância, pelo egoísmo e por tantas e tantas mazelas das várias sociedades mundo afora. Cada uma dessas questões precisa ser tratada em detalhes para ser bem compreendida.

Façamos (pelo menos por enquanto) uma abstração do problema que num futuro nem tão remoto haverá, fatalmente, de se constituir no maior de todos, na mais grave ameaça à civilização e até à vida, ou seja, o da explosão demográfica, que vem se acelerando desde meados do século XIX e que está levando o mundo ao limite populacional. Uma pergunta, de imediato, se impõe: o mundo produz quantidade de alimentos necessária para alimentar “todos” os 7,1 bilhões de habitantes atuais do Planeta, caso se conseguisse (e principalmente, se quisesse) distribuí-los equitativamente, de sorte que todo ser humano, sem distinção, tivesse acesso à ração necessária para ser nutrido adequadamente, sem faltas e sem excessos? A resposta é: sim!!!

O que se produz anualmente, em termos mundiais, daria para alimentar todas, absolutamente todas as pessoas do Planeta e não somente por um ano, mas por cinco ou seis. A produção estimada de comida, no mundo, a cada ano, é, em média, de quatro bilhões de toneladas. Ocorre que os alimentos se constituem no principal produto comercial (óbvio). Quem já não ouviu falar em “comodities”? Para serem produzidos, há custos e que nem tão baixos assim. Quem os produz, portanto, quer recuperar (o que é justo e lícito) o que gastou e ainda lucrar. E não está errado nessa pretensão. Afinal, o lucro é o grande motor que impulsiona toda e qualquer economia.

Surge, aí, porém, o primeiro grande problema: o da carência econômica dos potenciais consumidores. Dois terços da humanidade não dispõem de renda suficiente para adquirir todos esses alimentos: uma parte, não os adquire na quantidade suficiente para satisfazer suas necessidades básicas. Outra, ainda maior, não pode comprar nem o insuficiente. Depende só da caridade alheia para não morrer de inanição. Isso sempre foi, é e dificilmente deixará de ser a perversa realidade mundial e não de pequenos grupos, mas de multidões que ascendem a milhões, quiçá bilhões de indivíduos.

Entra em cena, porém, outro fator, que poderia mudar esse quadro para melhor e até pôr fim à fome mundial: o desperdício de alimentos. E este é imenso, absurdo e inconcebível, tendo em conta a importância vital para todos nós daquilo que tanto se desperdiça. Tratei, aliás, inúmeras vezes dessa questão, e nos mais diversos contextos, em análises que tive a oportunidade de partilhar com vocês tanto aqui, quanto em vários outros espaços da internet em que divulgo meus textos.

Li, no dia 11 de janeiro deste 2013, no site UOL, matéria que me deixou estarrecido, chocado e, sobretudo, envergonhado de integrar a espécie do suposto “homo sapiens” e, claro, revoltado. Trata-se de um relatório da organização britânica “Institution of Mechanical Engineers” – entidade que reúne cem mil engenheiros mecânicos em todo o Reino Unido – dando conta que até metade de toda a comida produzida a cada ano vai parar, simplesmente, no lixo. O absurdo é tão grande, que a conclusão dos autores é a mesma minha (mero leigo na matéria), ou seja, que se trata de um fato “assombroso” (da minha parte conheço dezenas de outros adjetivos muito mais contundentes, porém mais apropriados para qualificar tamanho absurdo). O relatório conclui que, se esses alimentos fossem doados aos que deles tanto precisam, estariam resolvidos tanto o vergonhoso problema da fome mundial, quanto a potencialmente catastrófica questão da superpopulação.

O estudo, intitulado “Global Food: Wast not, Want not” (“Alimentos globais: Não desperdice, Não Queira”) apurou que dois bilhões de toneladas de comida são, simplesmente, jogados fora. Apontou como motivos (alguns deles) para que isso ocorra, condições inadequadas de abastecimento (estocagem), estratégias de colheita descuidadas, perdas determinadas pelo transporte incorreto e a adoção de prazos de validade demasiadamente rigorosos. Revela, ainda, que até 30% das frutas, legumes e verduras plantados somente na Grã-Bretanha sequer chegam a ser colhidos, por causa da aparência, simplesmente apodrecendo nos pomares, hortas e campos. Diz a lógica que esses porcentuais são idênticos, se não muito maiores, pelo mundo afora! Vai daí...

É ou não é loucura, se não terrível perversidade em relação aos milhões, quiçá bilhões de famintos mundo afora? Aduza-se a essa prática, por si só assombrosa, o fato de tamanha perda encarecer em pelo menos 50% (equivalente ao total do desperdício) esses produtos tão essenciais. Ou será que há algum ingênuo que acredita que os produtores arcam com os prejuízos, ditados, apenas, pelos caprichos dos privilegiados consumidores? Claro que não! Esse encarecimento, óbvio, torna ainda mais inacessíveis esses alimentos que, sem esse desnecessário acréscimo de custos, já não estariam ao alcance dos bolsos dos que têm rendas escandalosamente insuficientes para suprir suas necessidades essenciais. Este relatório merece análise mais cuidadosa, o que farei, com certeza, em outra oportunidade.

Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. Também fiquei estarrecida com essas contas, embora já lamente há anos os desperdícios no meu quintal. Todos os dias aqui em casa se joga alguma comida fora, cerca de 20% do que comemos. Apesar de reclamar, ainda não consegui reduzir essa porcentagem, o que me envergonha.

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