quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

A saber: bicicleta, abelhas e filosofia

* Por Mário Prata

Praia da Baleia, litoral norte, com chuva de quarta a domingo. Um dia, fim de tarde, ameaçou um solzinho e eu resolvi entrar no mar. Sou seja, só as canelas.

Maré baixa, praia larga, duas traves de futebol e foram chegando pescadores e filhos de pescadores para um racha.

Voltou a chuva, ainda que fininha - mas fria, e eu resolvi entrar. Na casa ao lado da minha um garoto veio de bicicleta até o portão (fechado) para ver o jogo. Por um instante - não mais que isso, bati o olho nele.

Ele estava sentado na bicicleta, apoiando-se no chão com a perna direita. Achei que ele não queria dar bandeira que estava assistindo o jogo, sei lá porque. Se não, teria descido da bicicleta e sentado no murinho. Mas não, ele parecia estar ali de passagem.

Da minha varanda fiquei assistindo ao jogo e ao garoto. O jogo tinha suas regras: quem chutava a bola para fora tinha que ir buscar. Até mesmo quem fizesse o gol. Com camisa versus sem camisa, como convém num bom racha. O garoto tinha apenas uma regra: não se mexia. A perna dele devia estar doendo.

A chuva aumentou. Os pescadores foram embora. O garoto deu um grito para dentro. Surgiu um outro, irmão talvez. Ele desceu da bicicleta e foram jogar futebol.

Até agora eu não entendi por que ele não jogou com os pescadores e seus filhos

Antonio (19, estudante de filosofia) estava na rede. Uma abelha tentava morder a perna dele. Conseguiu. Irritado, deu uma chinelada nele mesmo e matou a bisbilhoteira.

Tenório (55, psicanalista), tenorizou:
- Não faça isso, Antonio. Agora, com ela morta, virão várias abelhas para cá.
- Imagina...
- Verdade. Tem um sujeito que ganhou o Prêmio Nobel com essa teoria. As abelhas tem uma espécie de antena, de radar, que faz com que uma saiba onde está a outra. Como radar de avião. Elas mantêm uma rede aérea de comunicações. Daqui a pouco isso aqui vai estar cheio de abelhas. Primeiro vem uma para ver porque a que morreu deixou de transmitir ondas. Depois ela chama as outras. Isso aqui vai ficar um inferno.

Tenório ainda disse o nome do Nobel e o ano do prêmio.

Não deu outra. Em cinco minutos Antonio estava correndo, fugindo das outras aeronaves picantes.

Depois que voltou:
- Tenório, um dia eu vou produzir um programa de televisão com você. Por enquanto, tenho apenas o título: "Pergunte ao Tenório".

Mais tarde, Antonio, que estuda Filosofia na USP, falava dos mestres:
- Eu não sei por que, mas por que é que todo filósofo, quando vai citar alguns exemplos, sempre diz "a saber"?
- Como assim?
- Exemplo: eu tenho dois irmãos, a saber: fulano e fulano. Está entendendo? Não precisa nunca usar o "a saber". "A saber" não significa absolutamente nada. Nada! Me irrita isso. "Sobre este assunto, tenho três teorias, a saber". Me explica, tem que ter o "a saber"?

E por falar em filósofos, enquanto chovia, Ruth (30, editora) contava a história de um grupo de professores de filosofia que se reuniu para discutir certos aspectos da profissão.

Ficaram numa espécie de pensão, e discutiam o dia inteiro.

A empregada do local, só de olho naqueles homens que ficavam o dia inteiro a discutir, foi ficando intrigada.

No último dia do encontro, ela não resistiu e perguntou a um deles:
- Desculpa a minha curiosidade, mas vocês vieram fazer o quê, aqui?
- Viemos discutir filosofia.

E então, ela filosofou:
- E chegaram à alguma conclusão?

Não pense que eu esqueci a história dos ETs, não. Já recebi oito cartas deles. Faltam 17. Inclusive a sua.


* Escritor e jornalista

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