quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Mundo de poetas

A poesia foi a manifestação pioneira de inteligência e organização do homem primitivo, assim que este começou a se organizar, socialmente, em comunidades, reunindo famílias, clãs e grupos aparentados, que foram embriões das primeiras cidades-estados. Precedeu, em muito, a filosofia e a ciência e todas as demais artes e teve a secundá-la apenas a música”. Essa foi a forma como iniciei texto anterior, neste espaço e, na seq uência, demonstrei, com dados históricos confiáveis (diria irrefutáveis) que a poesia não é e nunca foi aquela “água com açúcar” que os mal informados e insensíveis acham que seja. Foi, e ainda é, fonte de sabedoria.

Fico imaginando um mundo comandado por poetas, encarregados de estabelecer e fazer cumprir suas normas e leis e habitado exclusivamente por pessoas sensíveis, que contrariassem o instinto de competição – característica de todos os seres vivos – e o substituíssem pela racionalíssima prática da cooperação, com o forte protegendo e auxiliando o fraco, o sábio orientando e guiando o néscio e em que não houvesse mais doenças, maldade, violência, cobiça e tudo o que há de ruim no Planeta e que desgraça a humanidade.

Comentando isso com um amigo, ele riu da minha ingenuidade. Classificou-a de piegas e amalucada. Disse que isso jamais seria possível, dada a simples natureza humana, enquanto animal que o homem é. Infelizmente, sei que não seria mesmo. O tal amigo – boa pessoa, mas (que me perdoe a sinceridade), um tanto tapado – não se contentou em ridicularizar e zombar do meu utópico idealismo. Acrescentou, á guisa de conclusão, que um mundo do jeito que pintei seria sumamente monótono e chato. Será que seria?!

Será que para as coisas terem graça é preciso que haja sofrimento, competição, rebeldia, violência, dor e tantas e tantas e tantas coisas ruins que nos amofinam e desgraçam? Não sei se meu amigo foi sincero. Presumo (e prefiro acreditar na minha presunção) que não. Certamente não pensou antes de emitir uma opinião tão esdrúxula e derrotista.

Um mundo habitado e regido por poetas, em que não houvesse divisão por países e todos fôssemos cidadãos de uma única e indivisível nação, o Planeta Terra, é provável que tivesse, por Constituição, o “Estatuto do Homem”, do poeta Thiago de Mello, que certamente teve e ainda deve ter o mesmo sonho utópico que tenho. E essa Carta Magna estaria redigida nos seguintes termos:

“Artigo I

Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II

Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III

Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV

Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.

Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único:

O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo V

Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.

Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.

O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI

Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII

Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII

Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX

Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X

Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
o uso do traje branco.

Artigo XI

Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII

Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único:

Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.


Artigo XIII

Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.

Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Artigo Final.

Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.

A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem”.

Já pensaram como seria bom viver em um mundo assim, habitado só por pessoas valorosas e justas, cooperativas e solidárias? Albert Einstein, em um de seus livros, destacou: "O valor do homem é determinado, em primeira linha, pelo grau e pelo sentido em que ele se libertou do seu ego". Isto não significa se humilhar, mas ser humilde. O servir, ao contrário do que pensam os tolos e os arrogantes, não implica em servilidade, mas em poder, quando feito espontaneamente, sem ser obrigado a essa prestação de serviço, ou sem que ela seja para ganhar dinheiro. É ato de liberdade, de grandeza, de generosidade.

É de gênios com essa característica e esse altruísmo que o mundo precisa. Por ausência de pessoas com essas virtudes é que vemos tanta arrogância, tanto cinismo, tanta injustiça, tanta corrupção e tanta canalhice ao nosso redor.

A idéia predominante na humanidade – claro que há exceções – é a de que os que são servidos é que têm poder. Seriam os que podem “comprar” nossos serviços e, de quebra, posar, com ares de superioridade, como todo-poderosos, não raro humilhando e espezinhando os que os servem. Parasitas é o que eles são!

Quem serve, mesmo que o faça por necessidade, para custear a sobrevivência pessoal e da família, o faz porque “pode” agir assim. Tem saúde, disposição e preparo para isso. E mais valioso ainda é o seu ato quando o faz por convicção, e não por precisão, livre e espontaneamente. Isto é força! Isto, sim, é poder, embora não seja reconhecido como tal por essa humanidade corrupta e alienada que aí está!

Seria chato um mundo habitado e governado por poetas, esbanjando beleza, solidariedade, justiça e cooperação, como o que esbocei ? Ora, ora, ora. Talvez o seja sim, mas apenas para os medíocres e os masoquistas, por lhes faltarem sofrimentos e horrores.

Boa leitura.

O Editor.

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk

2 comentários:

  1. Fascinante seu texto. Achei fabulosa a sua colocação, meu amigo. Costumo compartilhar seus textos com meus filhos Rodolfo e Rafaela, que apreciam por demais, lhe asseguro, tanto quanto eu os aprecio. Óbvio que quando quero buscar determinado texto seu, posso ir ao "Escrevinhador" mas prefiro guardá-los na pasta que intitulei: Mensagens Bondaczuk, para posteriores reflexões. Importante ressaltar que todos têm destacado valor para mim, mas alguns (e há de convir) têm maior relevância quando nos "tocam mais profundamente". Sobretudo quando somos animados pelo tema. Como este, por exemplo; "Mundo de poetas". E sou apaixonado (assim como você) pelos poetas e pela poesia. Isso fica evidente no meu livro A Passagem dos Cometas, quando coloco na boca do poeta-dentista sua ( e minha) extrema veneração pelos poetas. Personagem que seria ( ou melhor, é) meu alter ego. Cabe aqui destacar uma citação de Octávio Paz, a propósito: “Se os líderes lessem poesia, seriam mais sábios.”
    Um abraço fraterno!

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  2. Adorei o editorial de hoje. Magnífico. Copio e colo o que disse no seu mural:
    Maravilhosos texto e poema.
    Destaco:
    "O homem se sentará à mesa
    com seu olhar limpo
    porque a verdade passará a ser servida
    antes da sobremesa." Belo e sábio!
    A sua ideia lembra um pouco Imagine, de John Lennon. Pareceu-me uma boa coisa, e o lugar ficará mais interessante do que o Paraíso de Dante.

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