* Por Mara Narciso
Vendo pessoas com sorrisos escancarados em fotos, grupos grandes altamente festivos, penso na veracidade daquelas alegrias e amizades. Até que ponto os que se reúnem em volta de uma mesa para comer e beber estão sendo sinceros, em turmas de colegas, amigos ou familiares? Há quem seja naturalmente sorridente, mas os que sorriem o tempo todo por nervosismo, por não saber o que dizer, por se sentirem tímidos ou para angariar simpatia, quantos serão? A sociedade exige felicidade em tempo integral, muitos amigos e sucesso. Então, quem não os têm utilizam-se de rasgados elogios para conquistá-los.
Nesses tempos de redes sociais, de exposição absoluta, de trocas aparentemente afetivas entre desconhecidos, até onde vai a sinceridade e começa a adulação para ser aceito? Ainda que não de forma declarada, as classes sociais vão se delineando na internet. Há os que postam sua rotina e os que aplaudem. Essa casta superior não se dá ao trabalho de responder a sua leva de súditos, que o bajulam. Dizem que o bajulado é tão defeituoso quanto seus bajuladores. Torna-se um dependente e refém de quem faz a sua corte.
Elogios sinceros e desinteressados temperam a vida, desde que a pessoa não se vicie e nem espere por eles para se sentir bem. O falso louvor machuca quem assiste, enaltece o bajulado, e faz o bajulador esperar por recompensa. A sinceridade grosseira precisa ser evitada, mas a adulação interesseira faz estrago pior.
Quem ocupa cargos importantes, tem dinheiro e poder, percebe certo grau de falsidade ao seu redor. Dá nojo ver o servilismo de subalternos, nem tão subalternos assim, em busca de visibilidade, reconhecimento pela servidão, dada por segundas intenções, em vistas a algo que o adulado tem, e que vai fazer diferença ao adulador.
Nas grandes corporações é de praxe alguma forma de louvação exagerada para ganhar promoção. Algumas áreas aceitam os elogios vistosos como estratégia de funcionamento, por exemplo, o marketing. Nem sempre isso pega bem. A mentira semi-explicita agride ouvidos sensíveis, gerando desconfiança ainda maior.
A pessoa que recebe a bajulação tem de si mesma uma ideia de grande capacidade, e se vê merecedora dos elogios que recebe, e assim o ciclo se fecha e a falsidade ganha corpo, chegando às alturas. Vista desse ângulo, sobre o quê se estrutura a nossa sociedade? Rapapés, beijos na mão, falsa admiração, elogios vazios, fala melosa na frente, e uma mão estendida atrás, à espera de benesses, são alicerces sociais confiáveis?
Como temperar e dosar sinceridade e agrados, verdade e política de boa vizinhança? Como ser carinhoso, atencioso e simpático entre amigos, familiares, ou entre o casal, sem parecer interesseiro? Muitos não conseguem esse equilíbrio, e boa parte do que dizem parece fazer média com vistas em benefício posterior. A franqueza educada é bem vinda entre amigos. Notar os defeitos e mencioná-los de forma sutil, ajudar o outro a se levantar e mudar é ser um bom amigo. Cercar alguém com fartas congratulações, no íntimo, pouco reconhecidas por quem as diz, é ser falso, deletério e fingido, adjetivos estes, bem pouco recomendáveis.
Quanto aos políticos recém-eleitos, que logo mais iniciam seus mandatos, é ainda mais difícil separar quem é quem, até mesmo os que trabalharam gratuitamente pela sua eleição devem pleitear ganhos pós-apuração. Quem tem dinheiro desconfia dos aproveitadores, e quem não tem fica, em tese, mais sossegado. Só se aproximam dele quem gosta das suas características, e usufruir da sua companhia e presença já é suficiente para uma troca satisfatória. Os relacionamentos humanos tornaram-se muito complexos, e arriscam-se todos aqueles que jogam de peito aberto, seja aonde for.
Muitos elogiam e presenteiam de maneira sincera, por gostar do presenteado e querer agradá-lo, mas, ao mesmo tempo, a sociedade de consumo recebe e absorve sorrisos de mentira, presentes desconcertantes e falsos amigos. A dose certa de veracidade necessária a sua vida cabe a você determinar. Separar o que convém e o que destrói, é arte para os sábios. Saber escolher quem merece o quê e pagar com a dose correta não é para quem pode, é para quem consegue. E que os interessados encontrem suas medidas adequadas. Estou procurando as minhas.
*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade” – blog http://www.teclai.com.br/
Um verdadeiro tratado sobre o "espinha curvada", essa praga infiltrada em tudo quanto é lugar. Ótimo texto, Mara.
ResponderExcluirO mais interessante é que o tema levou muita gente conhecida a reflexão e a considerar a possibilidade de ter sido a minha musa inspiradora. Não, ninguém serviu de inspiração. Fiz um apanhado das adulações e falsidades de um modo geral, genérico e universal. É bom para fazermos o "mea culpa" e reduzirmos o que está exagerado. Obrigada pela passagem e comentário, Marcelo.
ExcluirAqui mesmo um homenageado numa reunião de... e recebeu do orador que faria a saudação, incontáveis elogios.
ResponderExcluir"Viu como ele foi generoso comigo?" - disse o homenageado.
"Ele foi apenas sincero." - disse um dos presentes. Embora há sempre uns bajuladores medíocres em volta dos poderosos.
Gostei, Mara!
Muitos elogios são sinceros, mas outros não são. Melhor descer do salto alto e aceitar o nosso tamanho real em todas as situações. A gente se amar, é bom, só não pode ser de maneira incondicional. Críticas construtivas e elogios podem ser estimulantes, desde que não sejam imprescindíveis. Obrigada pela manifestação, José Calvino.
Excluir