* Por Marco Albertim
Steeve Mcqueen, diretor de Shame, não glamouriza o sexo em seu filme; também não tem pruridos em mostrá-lo. A começar da sequência inicial. Brandon – Michael Fassbender – surge nu, deitado na cama de casal. Como se não bastasse o formato da cama dando conta da inquietação sexual que caracteriza seu perfil, a nudez é flagrada como a busca da permanente satisfação pelo sexo. Em que pese o corpo inerte, os olhos abertos, vítreos, a respiração quase imperceptível; é a prostração ao vício. Andar nu no apartamento, sem indício de exibicionismo, é a moldura do ato sexual iminente, senão a masturbação doentia.
Todo o filme transpira sexo. Shame – vergonha – em nada perderia se tivesse como título A militância do prazer. A sequência seguinte, no metrô, mostra-o urdindo desejos com uma mulher não menos atraente. O roteiro não os captura num ato de hostilidade prazerosa, como deixa entrever; a cópula é consumada subliminarmente. Aqui a tensão que se desprende da tela cobre todos que estão vendo o filme; tensão, diga-se, expectante.
A chegada da irmã de Brandon, Sissy – Carey Mulligan – muda a rotina do apartamento. Seu perfil é de vadia rendida ao sexo fácil. Ela canta num restaurante chic; a música que sua voz chorosa canta é tão arrastada quanto sua frívola rotina. Entrega-se ao amigo e chefe do irmão, David – James Badge Dale; no carro que leva os três ao apartamento, e no quarto contíguo ao de Brandon. Os gemidos, sem que a câmara os flagre, são a trilha sonora da relação promíscua; em vez disso, a câmara enquadra em plano médio o incômodo de Brandon, testemunha impotente da invasão de sua privacidade. A irmã e o amigo, entregues, o ignoram sem-cerimônia, sem o pejo de um ato convencionalmente praticado ao abrigo de quatro paredes.
A relação entre irmão e irmã é de amor inconfesso, hostil. Não se ruborizam, não têm vergonha ao se verem nus. Ela, sem querer, flagra-o se masturbando; ri. Brando reage à suspeita de sua sexualidade estar sendo ridicularizada. Ainda assim, Sissy quer ser abraçada pelo irmão; no sofá, na cama. É uma mulher solitária, carente. Apesar da hostilidade, a relação dos dois deixa entrever o incesto provável. A tentativa de suicídio – a segunda – é a confissão do desespero que marca o semblante e o monólogo sombrios.
A discussão sobre a insatisfação de Brandon, atinge o ponto alto no ménage à trois com duas mulheres. As duas também não se recusam no contato carnal, ninfetas que são. O corolário de Brandon dá-se no bas-fond; ao tempo em que é um ativo heterossexual, não evita o beijo lingual de outro homem, força-o à felação. É o delírio de sua insanidade.
A busca do prazer a qualquer custo causa-lhe danos físicos; ele o sabe e mistura prazer com imolação. Canta uma mulher que supõe sozinha num bar; no uso de termos chulos é coerente com a devassidão que o norteia. A aparição do namorado da mulher, não silencia o discurso chulo; repete-o para imolar-se; sofre socos e pontapés do namorado. A sequência é antecipada com planos-detalhe de seu rosto com marcas da surra. Bem ao gosto da tensão requerida pela narrativa.
*Jornalista e escritor. Trabalhou no Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco, ambos de Recife. Escreveu contos para o sítio espanhol La Insignia. Em 2006, foi ganhador do concurso nacional de contos “Osman Lins”. Em 2008, obteve Menção Honrosa em concurso do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. A convite, integra as coletâneas “Panorâmica do Conto em Pernambuco” e “Contos de Natal”. Tem dois livros de contos e um romance.
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