* Por Paulo Valença
Prêmio de EDIÇÃO/PARTICIPAÇÃO ESPECIAL No Grande Concurso Cidade do Rio de Janeiro – 2012.
1
As camisas do time do Santa Cruz presas por grampos no arame estirado que se estende defronte da casa fechada, com a menina sentada numa cadeira, à espera do próximo comprador.
À sombra que recebe da casa, ela espera. Caladinha. Séria. O rosto moreno afilado, os olhos grandes, negros brilhando, no interesse de “faturar” com a venda da mercadoria.
A tarde amadurece, com os veículos transitando na avenida que se interpõe entre a calçada com a menina e a outra, de lojas comerciais.
- Quanto é a camisa?
Indaga o rapaz crioulo magro, de bermuda.
- Dez reais.
- Tá caro.
Afasta-se. A menina nada responde, sorrindo, aquiescendo. O pai devia baixar o preço...
Ergue-se, para estirar as pernas e aguarda.
2
O automóvel verde-abacate importado se avizinha da pequena vendedora.
Macio devagar estaciona ao meio-fio. A porta se abre e o homem moreno “coroa”, bem vestido salta. Aproxima-se. A menina põe-se alerta, prevendo a compra.
- Quanto custa à camisa do time mais querido do Recife?
A voz educada. O sorriso simpático.
- Dez reais.
- Por favor, me venda sete camisas.
A menina se ergue, sorrindo, ativa, atendendo.
O movimento de carros, motos, bicicletas e transeuntes cresce ante o início da noite.
O homem paga as camisas e, outra vez sorrindo:
- Obrigado mocinha.
Retrocede ao carro e parte, enquanto a menina retorna a cadeira, esperando o novo comprador.
3
A notícia que teve do sujeito gordo, brancoso, da lanchonete foi de que um carro verde-abacate parou e que o motorista, um senhor moreno, “coroa”, bem vestido desceu, se dirigiu à menina e que depois, ela guardando as camisas numa caixa grande, entrou no carro com ele...
D. Nilda chora e revoltada fala gritando:
- O infeliz raptou a minha filha. Isso é uma miséria! Cadê as autoridades que não prendem esse monstro? A Silvinha ainda uma criança...
Ao lado, o marido José fita o cimento do piso da pequena sala. Sem nada dizer. Preso também à dor que o martiriza a sete dias do desaparecimento da filha, ainda uma inocente, que...
De repente, também explode, sem mais se conter:
- Ah se eu pego esse desgraçado filho da puta!
Apressado retira-se da sala. E a vizinha D. Maria, que tudo presencia, solidária se achega à mãe que sofre.
- D. Nilda, a Silvinha será encontrada. Deus não desampara ninguém.
Os soluços, com as lágrimas gordas. E o silêncio como resposta, enquanto a noite chega e o homem lá fora, desnorteado caminha como em busca do que sabe, intimamente sabe, não mais terá a filha ao seu comando, à sua proteção de pai. E erguendo o rosto fita o céu acinzentado, sem estrelas, como buscando uma resposta que justifique a maldade sem tamanho do ser humano.
Caminha, enquanto a noite fria vai passando indiferente a tudo.
* Paulo Valença é autor paraibano, com livros de ficção premiados nacionalmente; Verbete do Dicionário Biobibliográfico de Escritores Contemporâneos; Verbete da Enciclopédia de Literatura Contemporânea; Membro de várias instituições literárias; Presente em diversos sites; Reside em Recife/PE.
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