Entre a cabeça e as mãos
* Por Fernando Yanmar Narciso
Imaginar, idealizar como será o mundo no futuro, tendo como base o que vemos no presente, é sempre um deleite para nós, criadores. De Hanna/Barbera com os Jetsons a Kubrick com seu 2001- Uma Odisséia no Espaço, de George Lucas aos irmãos Wachowski, são centenas de escritores de revistas pulp, roteiristas de Hollywood, autores de quadrinhos e desenhos animados que tinham fé no futuro, mas também mantinham um pé atrás, com toda razão, quando se tratava de acreditar na raça humana.
Em 1902, quando o francês Georges Meliès rodou um curta psicodélico- antes mesmo do termo existir- baseado no livro Viagem à Lua, De Julio Verne, onde os astrônomos eram disparados de um canhão rumo à “face da lua”, já tivemos nosso primeiro deslumbre do que estava por vir.
Foram necessários mais de 20 anos para que o primeiro épico de ficção científica que se tem notícia fosse filmado, e se enganam os que pensam que ele veio da América. Bem ali na Alemanha, a poucos anos do início da ocupação nazista, o imortal e megalomaníaco diretor Fritz Lang registrou em celulóide o conto futurista Metropolis, de sua esposa, Thea Von Harbou, em 1927.
Se hoje já é tarefa difícil imaginar como será o planeta em uma década, imaginem como deve ter sido imaginar em 1927 como seria a Alemanha em 2027? Coisas corriqueiras da ficção científica como raios laser, foguetes e discos voadores sequer haviam sido imaginados ainda, a palavra computador nem existia. Tudo o que podia servir como material de referência eles já tinham em mãos. E, mesmo assim, marido e mulher conseguiram criar um mundo acachapante, um romance de conto de fadas passado no futuro.
Então, estamos em 2027. Aviõezinhos monomotores movidos a hélice trafegam livremente pelos céus como motoboys, os carros ainda parecem o Ford modelo T, mulheres ainda usam chapéus de plumas, vestidos e maquiagem pesada, mas isso é só a superfície... Quilômetros abaixo do solo, trabalhadores têm uma jornada de trabalho massacrante, em máquinas que a maioria deles não faz idéia de para que sirvam. Cabisbaixos e alienados, nem sabem que lá, acima das indústrias, tudo é luxo e opulência. O homem atingiu seu ápice tecnológico e os ricos vivem em harmonia, brincando pelos Jardins Eternos.
Mas como isso aqui é um filme, logo tudo irá mudar. Freder Fredersen, o filho mimado do administrador da Metropolis, conhece a corajosa Maria, mediadora de conflitos entre trabalhadores e patrões, e é paixão à primeira vista. Ao correr atrás dela, ele acaba chegando á cidade operária, onde tem delírios quase lisérgicos ao presenciar a máquina-mestra se auto-destruindo e matando vários trabalhadores- uma cena até hoje impressionante, talvez a pioneira na técnica de fazer dublês voarem por meio de cabos pelo cenário.
Indignado com o que presenciou, Freder vai tirar satisfações com seu pai, Joh, que preocupado com os problemas que seu filho pode trazer ao equilíbrio de classes da cidade, manda que o vigiem.
Ali, no meio da cidade, destoando de todo o resto dela, há uma casinha rústica semelhante às da idade média. Nela vive Rotwang, um cientista maluco- por sinal, o primeiro da história do cinema- antigo conselheiro de Joh. No passado os dois amaram a mesma mulher, e o cientista se isolou do mundo depois que ela morreu durante o parto de Freder, mantendo um busto de pedra de sua amada num santuário particular e, mais importante, uma mulher-robô (outro pioneirismo) com as mesmas feições dela. Por uma hilária conveniência no roteiro , o cientista sabe de tudo o que ocorre no submundo da cidade, porque o porão de sua casa tem uma greta que dá de cara para onde ocorrem as reuniões de Maria com os trabalhadores revoltosos. Indignado ao ver Freder no meio da rebelião, Joh ordena que o cientista seqüestre Maria e faça a mulher-robô se passar por ela, manchando o nome dela para com seus camaradas rebeldes e acabando com o motim.
Percebendo uma oportunidade de ouro, Rotwang aceita a proposta, mas mal sabe Joh que a real intenção do cientista é usar sua criação para se vingar dos Fredersen por terem lhe tirado a mulher de sua vida.
Apesar de ser pré-histórico, em preto-e-branco e ainda por cima mudo, Metropolis é um filme memorável, recheado de cenas imortais, com tudo do bom e do melhor que a tecnologia da época podia oferecer. A maquete da cidade agora pode até parecer um monte de caixas de pasta de dente empilhadas, mas em 1927 faria inveja até à Nova Iorque. A primeira aparição da musa robótica de Rotwang é não menos que aterradora, deixando até Frankenstein no chinelo. Mas a cena mais famosa de todo o filme é a operação que a transforma numa sósia da heroína. Num misto de ciência com ritual cabalístico, o cientista cria um “escaneamento” do corpo de Maria e o transmite para o robô, numa das inúmeras cenas que resumem a magia do cinema.
Quem hoje chama John Carter de fracasso não tem idéia do prejuízo que esse filme trouxe à sua produtora... Por ser algo tão revolucionário e, por que não dizer, indescritível, às pobres mentes da década de 20, ele quase levou todos os envolvidos á falência, mas sua contribuição à ficção científica não tem precedentes. C-3PO que o diga!
• Designer e colunista do Literário.Blog Terra de Excluídos, http://terradeexcluidos.blogspot.com
* Por Fernando Yanmar Narciso
Imaginar, idealizar como será o mundo no futuro, tendo como base o que vemos no presente, é sempre um deleite para nós, criadores. De Hanna/Barbera com os Jetsons a Kubrick com seu 2001- Uma Odisséia no Espaço, de George Lucas aos irmãos Wachowski, são centenas de escritores de revistas pulp, roteiristas de Hollywood, autores de quadrinhos e desenhos animados que tinham fé no futuro, mas também mantinham um pé atrás, com toda razão, quando se tratava de acreditar na raça humana.
Em 1902, quando o francês Georges Meliès rodou um curta psicodélico- antes mesmo do termo existir- baseado no livro Viagem à Lua, De Julio Verne, onde os astrônomos eram disparados de um canhão rumo à “face da lua”, já tivemos nosso primeiro deslumbre do que estava por vir.
Foram necessários mais de 20 anos para que o primeiro épico de ficção científica que se tem notícia fosse filmado, e se enganam os que pensam que ele veio da América. Bem ali na Alemanha, a poucos anos do início da ocupação nazista, o imortal e megalomaníaco diretor Fritz Lang registrou em celulóide o conto futurista Metropolis, de sua esposa, Thea Von Harbou, em 1927.
Se hoje já é tarefa difícil imaginar como será o planeta em uma década, imaginem como deve ter sido imaginar em 1927 como seria a Alemanha em 2027? Coisas corriqueiras da ficção científica como raios laser, foguetes e discos voadores sequer haviam sido imaginados ainda, a palavra computador nem existia. Tudo o que podia servir como material de referência eles já tinham em mãos. E, mesmo assim, marido e mulher conseguiram criar um mundo acachapante, um romance de conto de fadas passado no futuro.
Então, estamos em 2027. Aviõezinhos monomotores movidos a hélice trafegam livremente pelos céus como motoboys, os carros ainda parecem o Ford modelo T, mulheres ainda usam chapéus de plumas, vestidos e maquiagem pesada, mas isso é só a superfície... Quilômetros abaixo do solo, trabalhadores têm uma jornada de trabalho massacrante, em máquinas que a maioria deles não faz idéia de para que sirvam. Cabisbaixos e alienados, nem sabem que lá, acima das indústrias, tudo é luxo e opulência. O homem atingiu seu ápice tecnológico e os ricos vivem em harmonia, brincando pelos Jardins Eternos.
Mas como isso aqui é um filme, logo tudo irá mudar. Freder Fredersen, o filho mimado do administrador da Metropolis, conhece a corajosa Maria, mediadora de conflitos entre trabalhadores e patrões, e é paixão à primeira vista. Ao correr atrás dela, ele acaba chegando á cidade operária, onde tem delírios quase lisérgicos ao presenciar a máquina-mestra se auto-destruindo e matando vários trabalhadores- uma cena até hoje impressionante, talvez a pioneira na técnica de fazer dublês voarem por meio de cabos pelo cenário.
Indignado com o que presenciou, Freder vai tirar satisfações com seu pai, Joh, que preocupado com os problemas que seu filho pode trazer ao equilíbrio de classes da cidade, manda que o vigiem.
Ali, no meio da cidade, destoando de todo o resto dela, há uma casinha rústica semelhante às da idade média. Nela vive Rotwang, um cientista maluco- por sinal, o primeiro da história do cinema- antigo conselheiro de Joh. No passado os dois amaram a mesma mulher, e o cientista se isolou do mundo depois que ela morreu durante o parto de Freder, mantendo um busto de pedra de sua amada num santuário particular e, mais importante, uma mulher-robô (outro pioneirismo) com as mesmas feições dela. Por uma hilária conveniência no roteiro , o cientista sabe de tudo o que ocorre no submundo da cidade, porque o porão de sua casa tem uma greta que dá de cara para onde ocorrem as reuniões de Maria com os trabalhadores revoltosos. Indignado ao ver Freder no meio da rebelião, Joh ordena que o cientista seqüestre Maria e faça a mulher-robô se passar por ela, manchando o nome dela para com seus camaradas rebeldes e acabando com o motim.
Percebendo uma oportunidade de ouro, Rotwang aceita a proposta, mas mal sabe Joh que a real intenção do cientista é usar sua criação para se vingar dos Fredersen por terem lhe tirado a mulher de sua vida.
Apesar de ser pré-histórico, em preto-e-branco e ainda por cima mudo, Metropolis é um filme memorável, recheado de cenas imortais, com tudo do bom e do melhor que a tecnologia da época podia oferecer. A maquete da cidade agora pode até parecer um monte de caixas de pasta de dente empilhadas, mas em 1927 faria inveja até à Nova Iorque. A primeira aparição da musa robótica de Rotwang é não menos que aterradora, deixando até Frankenstein no chinelo. Mas a cena mais famosa de todo o filme é a operação que a transforma numa sósia da heroína. Num misto de ciência com ritual cabalístico, o cientista cria um “escaneamento” do corpo de Maria e o transmite para o robô, numa das inúmeras cenas que resumem a magia do cinema.
Quem hoje chama John Carter de fracasso não tem idéia do prejuízo que esse filme trouxe à sua produtora... Por ser algo tão revolucionário e, por que não dizer, indescritível, às pobres mentes da década de 20, ele quase levou todos os envolvidos á falência, mas sua contribuição à ficção científica não tem precedentes. C-3PO que o diga!
• Designer e colunista do Literário.Blog Terra de Excluídos, http://terradeexcluidos.blogspot.com
Eu gosto de viajar na imaginação desses precursores da ficção científica e principalmente na sua imaginação de gente cheia de análises do mundo real e irreal.
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