quarta-feira, 25 de agosto de 2010




Um musical para aplaudir de pé

* Por Mara Narciso

O espetáculo estava marcado para as 19h30min. Antes do horário havia um grupo ordeiro que se aglomerava em frente ao Espaço OAB Eventos. Pessoas bem vestidas falavam a meia-voz. Na hora combinada, as portas se abriram, e lentamente os espectadores tomaram os seus lugares no salão discretamente decorado. Em pouco tempo as cadeiras estavam tomadas. Quando a apresentadora iniciou a sua fala, todos já estavam em seus lugares.

Durante o concerto de uma hora e meia houve a participação atenta da platéia, que aplaudia ao final de cada número, não conversava nos intervalos, estando inteiramente alerta em relação ao próximo número musical. Não se ouviu nenhum celular tocando ou sendo atendido. Após o número final de dança, a vibração atingiu seu ápice, com todos de pé aplaudindo freneticamente e pedindo bis. Os artistas cederam a essa pressão, chegaram à beira do palco de mãos dadas, menearam a cabeça e após breves palavras, generosamente repetiram o último número. Estamos num país estrangeiro? Não. Acaba de ser encenado em Montes Claros o concerto “Uma noite na Broadway”, que faz parte do programa “Estações Musicais na Unimontes”.

Talitha Peres, pianista, professora e mestre, que tem lugar garantido nos mais badalados palcos de música erudita do mundo, e obviamente também no Brasil, foi impecável, desde a concepção, passando pelo planejamento, até a execução desse concerto. Montes-clarense cujo currículo musical atingiu todas as esferas tem uma competência para a qual, sendo admiradora, não consigo ir com palavras, além do que se pode dizer quem aprecia com enlevo e encantamento o som miraculoso do seu piano.

Entre outras habilidades, ela é uma estudiosa de Chiquinha Gonzaga e, tempos atrás, gravou um magnífico CD com músicas da maestrina pioneira, interpretados com uma vibração possível de ser notada até pelos não iniciados como eu. Desbravei e consegui um exemplar desse disco, e assim pude usufruir da música dessas duas grandes mulheres. Não faço favor nenhum em dar a elas oferendas de fã.

Quando chegou o convite do musical, cuja entrada seria franca, com todo o conforto do local escolhido, estava disposta a ir de qualquer jeito, e lá encontrei pessoas conhecidas, atentas e felizes, que não deixavam escapar nenhum detalhe, do figurino às músicas americanas, cantadas por barítonos, tenores e sopranos.

Observei cada movimento no palco, aprendendo as características dos compositores que apareciam num telão, assim como o nome dos 12 cantores que se apresentaram: Cristiane Franco, Patrícia Peres, Roberto Mont’Sá, Aparecida Soares, Maria Odília Quadros, Fagner Cardoso, Késia Patrícia, Ana Luiza Gomes, André Rabello, Mel Callado, Mariane Ribeiro e Edna Gomes.

Houve um dueto emocionante entre a mezzo-soprano Maria Odília Quadros e o barítono André Rabelo. Após alguns números musicais formais, houve uma mudança radical no espetáculo, sendo apresentadas duas músicas do ABBA, “Dancing Queen” e “Mamma Mia”, da década de 70, com coreografia rápida e solta. Adiante, a música se tornou dramática com “Don’t cry for me Argentina”, cantada por Ana Luiza Gomes. Foi teatral na medida em que não resisti e chorei. Outra apresentação voltou a me tirar lágrimas. Foi a música “So in Love” com a mezzo-soprano Patrícia Peres e Ananias Neto, na clarineta. Não resisto ao tom choroso de um instrumento de sopro. É pura emoção.

Quando começou a apresentação final da dança “Jesus Christ Superstar”, com o tenor Fagner Cardoso no solo, aconteceu a apoteose. A platéia participou batendo palmas, numa interação emocional que envolveu até mesmo os cantores. Aplaudindo de pé, não estávamos na Broadway, mas era como se fosse, pois os artistas repetiram o último número para os comportados espectadores, enquanto Talitha Peres desmanchava o piano, de uma maneira muito além do impossível.

*Médica, jornalista e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”.

5 comentários:

  1. Puxa, deve ter sido mesmo uma noite inesquecível, Mara. Seu texto nos transportou magicamente a ela. Parabéns.

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  2. Nada se compara quando estamos diante de espetáculos
    onde o encantamento toma conta.
    O Teatro Municipal do Rio de Janeiro promove eventos
    a preços acessíveis à população pobre.
    É mágico, pois todos, inclusive as crianças se deixam
    envolver pela aura do espetáculo.
    Se alguém disser o pessoal de "baixa renda" não curte o belo, é mentira.
    Beijos

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  3. Já li o seu texto...mas volto a repetir : Adoro o som do piano..Aplausos !
    Momento mágico, Mara !
    Por essas e outras é que eu digo :Vale a pena viver !!
    Beijos

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  4. Amigos, adoro piano,e esse concerto, com uma platéia vibrante e ao mesmo tempo educada tinha de ser elogiada. Foi ótimo. Agradeço os comentários. Muito obrigada!

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  5. Realmente, Mara, seu texto traduziu o que se passa em um espetáculo musical. Por mais inquieto que seja o público, a música tem uma magia que cala não só a voz, mas cala fundo dentro da gente, e como você traduziu bem essa magia. Parabéns!

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