segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Editorial - Oportunidades de bravura


Oportunidades de bravura



Os heróis são frutos da ocasião. Não me refiro àquele heroísmo do cotidiano, de quem encara as circunstâncias com determinação e otimismo quando tudo é desfavorável, e que sequer é reconhecido por quem quer que seja. O que quero ressaltar são aqueles atos de bravura, súbitos, impulsivos e surpreendentes, em que a pessoa arrisca a própria vida, para salvar a de alguém em risco iminente de morrer, sem medir as consequências.

Por exemplo, é o caso do cidadão comum e pacato, que vê uma criança atravessar uma rua movimentada prestes a ser atropelada por um veículo e que, sem pensar duas vezes, se atira à sua frente e a salva, podendo ou não ser atingido pelo carro (ou caminhão, ônibus etc., não importa). Ou o de quem entra num edifício em chamas para socorrer alguém que tenha sido cercado pelo fogo (um bebê, um ancião, um deficiente físico) e o resgata incólume. Ou tantas e tantas outras ações desse tipo.

Esse heroísmo confere imediata notoriedade pública a quem o pratica. Quem tem essa oportunidade (e a aproveita, claro), ganha manchetes de jornais, reportagens na TV, homenagens das autoridades e o carinho da população. Nada mais justo. Todavia são raras as circunstâncias que nos permitem que nos transformemos, em questão de segundos, de pessoas obscuras e desconhecidas em heróis. Muitos deles, inclusive, passados alguns dias, voltam ao ostracismo e raramente são lembrados. Outros, chegam, até, a ganhar estátuas em praças públicas e seus nomes são perpetuados, “batizando” ruas, escolas, ginásios esportivos etc.

É verdade que todos podemos ser, um dia, heróis desse tipo (não digo que seremos). Tudo depende, reitero, da oportunidade, do acaso, do momento e não apenas disso, claro, mas de se saber agir, com determinação e coragem, sem atentar para as consequências, quando formos compelidos por um sentimento interno a atuar dessa maneira. Não há quem não sonhe, no íntimo, em conquistar, para sempre, o respeito, a estima e a admiração gerais. E, convenhamos, não há mal nenhum nisso.

Já que não somos heróis (ainda), contudo, não precisamos ser covardes. As oportunidades para a covardia, ao contrário das do heroísmo, são muitas a cada dia, e quase infinitas ao longo da vida. Mas só depende de nós não descambarmos para essa condição jamais. Como? Fazendo a nossa parte no mundo. Descobrindo e assumindo o papel que nos cabe exercer na sociedade. Agindo!

A maior covardia, na minha visão, é a omissão. É deixar de fazer o que poderíamos (e deveríamos), por medo, indiferença, egoísmo ou qualquer outro motivo correlato. O romancista francês René Bazin (popular em seu país, onde chegou a ser senador e membro da Academia Francesa, mas relativamente desconhecido no Brasil) escreveu a respeito: “Só duas ou três vezes nos aparece, na vida, uma oportunidade para mostrar que somos bravos. Mas temos, diariamente, várias ocasiões para não ser covardes”.

E quem foi esse romancista? Foi um escritor católico de grande destaque e popularidade na França, em fins do século XIX e boa parte do XX (nasceu em 1853 e morreu em 1932), por exaltar, em seus livros, valores familiares, morais, cívicos e patrióticos. Hoje, muita gente “torce o nariz” para os seus escritos. Não deveria.

Considero o pessimismo doentio e exacerbado como outra forma bastante comum de covardia. Via de regra, o pessimista “de carteirinha” é, também, um omisso. Essa sua alegada visão negativa da vida não passa, na verdade, de pretexto, amiúde utilizado, para a omissão. Raciocina: “´Já que nada vai dar certo mesmo, por que vou me esforçar? Por que vou ajudar os outros? Eles que se virem! Ou que cobrem o governo, que existe para isso”, é o raciocínio de quem só vê obstáculos à sua frente e não enxerga as oportunidades. Quem já não ouviu algum dia esse tipo de declaração?

O pessimista encara a vida como um sacrifício, como um profundo e sombrio vale de lágrimas, repleto de pedras e de espinhos e de armadilhas de toda a sorte. Tolice. Falta-lhe, não somente sensibilidade, mas, sobretudo, compreensão. Falta-lhe sabedoria para entender o que é, onde está e com qual finalidade veio ao mundo.

O sábio, contudo, entende, valoriza e agradece o sumo privilégio que tem: o de viver. Releva os sofrimentos e dificuldades e considera-os nada mais do que lições, do que exercícios que o fortalecem e vivificam. Descobre, a cada momento, novos prismas, novos encantos, novas nuances de grandeza e beleza ao seu redor. Valoriza a alegria, a reflexão, as amizades, o amor e a harmonia. Enfim, sabe viver.

O sábio, portanto, na minha visão pessoal, é sempre um herói, mesmo que não salve jamais alguma vida, não pratique qualquer ato espetacular e arriscado e, por isso, não chame a atenção da opinião pública. Faz o que tem que fazer com responsabilidade e constância, sem queixas e nem cobranças. É útil, otimista, nobre e altruísta.

O sábio descobre o seu papel e o assume plenamente. Para quem tem sabedoria e sensibilidade, a vida não é nenhum “castigo”, mas uma grande festa. Quem tem essa lucidez, participa, com alegria, dessa celebração. Mas, como ressalta o filósofo norte-americano Ralph Waldo Emerson (e eu também enfatizo), “só o sábio” tem essa percepção. Por isso, nunca permite que o pessimismo envenene seus pensamentos, o que o torna um verdadeiro herói.


Boa leitura!

O Editor.


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