Obra boa pede bis
* Por Pedro J. Bondaczuk
O
escritor, ao concluir um livro e, especialmente, após publicá-lo,
quase sempre fica com aquela sensação de que faltou alguma coisa
nele. Este personagem poderia ser melhor descrito, aquele cenário
não teve tantos detalhes, a narrativa em determinado momento ficou
repetitiva e vai por aí afora. Mesmo que o leitor considere a obra
perfeita, o autor nem sempre (diria nunca) tem essa visão de
perfectibilidade.
Quando
se trata de não-ficção, alguns autores procedem a essas “revisões”
em edições posteriores. Alguns chegam a acrescentar (ou suprimir,
ou ambas as coisas) capítulos inteiros. Nem assim ficam satisfeitos.
Sentem que ainda assim faltou algum detalhe ou que algo de supérfluo
permaneceu. E tome mais revisões. Fazem-nas, sem temor, em várias
edições sucessivas.
E
em ficção, ocorre o mesmo? “Você já viu algum romance ser
modificado, de uma edição para outra?”, perguntará o cético
leitor. Quer a resposta? Sim, vi! Vi e gostei! E não porque a
primeira versão não fosse boa, muito pelo contrário. A segunda
virou, na verdade, um novo livro, que lembra remotamente o primeiro,
mas é mais completa, detalhada, abrangente e talvez definitiva. Mas
ambas são sumamente criativas.
E
quem é o autor dessa façanha, virtualmente inédita? É o escritor
catarinense Godofredo de Oliveira Neto. E não se trata de nenhum
“curioso” que tenha desenvolvido bem uma história que lhe veio
eventualmente à cabeça e que contou com a tão falada “sorte de
principiante”. Longe disso. É, na verdade, pessoa envolvida até o
pescoço com Literatura e que conhece, portanto, todos os seus
meandros, até os que impliquem em “armadilhas” para os
desavisados.
Godofredo
é nada menos do que professor de Letras Vernáculas da Faculdade de
Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Só podia ser,
mesmo, um “expert” para empreender tamanha ousadia. E qual foi o
livro, reescrito com tamanha perícia, que um leitor distraído
certamente vai achar que se trate de novo romance, excelente como a
versão original? É “Marcelino”, lançado em meados de 2008 pela
Editora Imago. Quem não leu, deveria ler. E as duas versões, claro.
Ambas são uma aula de como escrever bem uma história, dando-lhe
clima, suspense e, sobretudo, verossimilhança.
Godofredo
revelou, em entrevista que li na internet, que a segunda versão
nasceu praticamente por acaso. Foi quando tentou roteirizar para o
cinema o romance “Marcelino Nambre, o manumisso” (este era o
título da edição original lançada em 2000). Revelou que foi
escrevendo, escrevendo, acrescentando um detalhe aqui, outro ali,
trazendo à cena novos personagens e situações e, quando se deu
conta... Estava escrito, na verdade, novo livro.
A
história (nas duas versões) se passa, em boa parte, na Praia do
Nego Forro, em Santa Catarina. A bem da verdade, começa e termina
ali. Mas a parte da ação e do suspense tem por cenário o Rio de
Janeiro de 1942, no auge da Segunda Guerra Mundial, quando a sempre
fascinante Cidade Maravilhosa ainda era a capital do País.
Marcelino,
neto de escravo açoriano com uma índia é, aos 18 anos de idade, o
melhor pescador de lagostas da região. Com testoterona brotando por
todos os poros, no auge da juventude, envolve-se, amorosa e
sexualmente, com três mulheres: a balzaquiana Eve; a adolescente
Sibila (filha do senador Nazareno Correia da Veiga de Montibello),
com a qual foi praticamente criado e Martinha, que após regressar do
Rio de Janeiro, depois de escapar, quase que por milagre, da morte,
após ser preso e torturado pela polícia de Getúlio Vargas,
descobriu ser o amor da sua vida.
Querem
saber mais detalhes? E vocês acham que eu iria ser o estraga
prazeres e os revelar?! Ora, ora, comprem o livro! Aliás, não só a
segunda versão, como a que a inspirou e a originou. Garanto que não
irão se decepcionar.
Saberão,
entre outras coisas, como era o País há quase 80 anos. Até quais
eram os programas de rádio preferidos dos nossos avós, quais os
produtos da moda, como eram as propagandas naqueles tempos já tão
remotos e outras coisas mais.
Há
pouco mais de sessenta anos, o apresentador Enzo de Almeida Passos
comandava um programa, na Rádio Bandeirantes de São Paulo
(apresentado, também, por várias de suas afiliadas) de grande
sucesso de audiência (tanto que permaneceu no ar por décadas),
intitulado “Telefone pedindo bis”. Foi, na verdade, uma das
primeiras experiências bem-sucedidas de interação entre
comunicador e receptor da comunicação.
Lembro
isso a propósito do livro de Godofredo de Oliveira Neto. “Qual é
a relação?”, perguntará, atônito, o leitor, achando que o
cronista ensandeceu. É o título do programa. Só que no caso dos
dois livros do escritor catarinense, a expressão que cabe a caráter
é: “Obra boa pede bis”. E não é um fato?!
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de
Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do
Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções,
foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios
políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas),
“Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da
Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º
aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53,
página 54. Blog “O Escrevinhador” –
http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Impressionante! O que de menos poderia dizer?
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