Onde o limite?
Um
amigo de longa data, que há anos acompanha minhas peripécias
literárias e admira a constância da minha produção, perguntou-me,
dia desses, assim de repetente, se conheço meus limites? Admirei-me
da pergunta. Na verdade, nunca havia pensado nisso. Respondi-lhe, no
entanto, e sem pestanejar: “não, não os conheço”. E não
conheço mesmo. Aproveitei para devolver-lhe a pergunta. E ele
respondeu: “claro que sim! Conheço muito bem meus limites”.
Duvidei. Será que alguém os conhece, de fato? Você, caro leitor,
sabe quais são os seus? Mas sabe mesmo, ou apenas “acha” que
sabe? Meus limites não conheço mesmo. Sei que os tenho, mas teimo
em tentar ampliá-los o máximo que puder (mesmo desconhecendo se já
os atingi ou se estou próximo disso).
O
tal amigo confessou que não consegue escrever tanto quanto acha que
escrevo. Não, pelo menos, com a mesma periodicidade e por tantos
anos seguidos. Claro que isso foi lisonjeiro para o meu ego. Por
falar nisso, dia desses, também, um leitor criticou-me pelo fato de,
em meus textos, eu me expressar, sempre, na primeira pessoa: “eu
fiz, eu li, eu quero etc.etc.etc.”. Isso não me foi nada
lisonjeiro. Respondo-lhe, como bom desbocado que sou: Você já ouviu
falar em linguagem coloquial? Pois é, é aquela que dispensa
formalidades. Esse é o meu estilo e ninguém será capaz de mudá-lo.
Não mais, nesta idade em que estou. Você não gosta dos meus
textos? Atenta só para a forma como me expresso, sem atentar para a
essência, ou seja, para o conteúdo? Aceita uma sugestão? Não me
leia!!! Passe batido dos meus textos. Pra quê se aborrecer e,
sobretudo, “me” aborrecer?! Simples assim.
Mas,
voltando ao tema trazido tão intempestivamente à baila pelo meu
amigo, essa questão de limite é bastante subjetiva. Já passei por
situações em que tive que encarar desafios, físicos inclusive, que
achava estarem muito acima da minha capacidade, mas os superei
galhardamente, para a minha surpresa. E situações inversas também
ocorreram? Ou seja, as de achar que podia fazer algo e, na hora agá,
perceber que havia me superestimado? Creio que esse tipo de surpresa
(desagradabilíssimo, por sinal) me é infinitamente mais frequente
do que o tipo anterior. Para muitos, essa espécie de superestimação
da minha parte é irresponsabilidade. Prefiro dar-lhe outro nome, bem
mais digno e condizente com a realidade: ousadia.
Como
você pode conhecer sua real capacidade se não a testar? Esteja
certo, não a conhecerá. Ficará, em seu espírito, sempre e sempre
a dúvida de ter batido em retirada precocemente, que a empreitada
estava dentro da sua capacidade e nos limites da sua possibilidade.
Se não tentar, portanto, jamais saberá se seria capaz ou não de
vencer esse obstáculo. Duvidará de si mesmo e esse tipo de dúvida
é o pior que existe.
Sobre
essa questão de ousadia, alias, há já alguns anos encontrei em
meus “achados e perdidos” este poema da escritora Lou
Andréas-Salomé, intitulado “Ouse, ouse... ouse tudo!!, que diz:
“Não
tenha necessidade de nada!
Não
tente adequar sua vida a modelos,
nem
queira você mesmo ser um modelo para ninguém.
Acredite:
a vida lhe dará poucos presentes.
Se
você quer uma vida, aprenda ... a roubá-la!
Ouse,
ouse tudo! Seja na vida o que você é, aconteça o que acontecer.
Não
defenda nenhum princípio, mas algo de bem mais maravilhoso:
algo
que está em nós e que queima como o fogo da vida!!"
No
mais profundo de si mesmo, o nosso ser
rebela-se
em absoluto contra todos os limites.
Os
limites físicos são-nos tão insuportáveis quanto
os
limites do que nos é psiquicamente possível:
não
fazem verdadeiramente parte de nós.
Circunscrevem-nos
mais estreitamente do que
desejaríamos".
Ah,
você não conhece quem foi essa Andréas-Salomé, de quem nunca
ouviu falar? Pois não, faço questão de apresentá-la. Não o
critico, porquanto muito intelectual badalado também a desconhece. É
tanta gente que orbita nesse mundão literário, que é impossível
conhecer ao menos os escritores mais cortejados. Imagine os outros!
Lou
Andreas-Salomé, ou Louise Von Salomé, foi uma intelectual de
origem, alemã (só esse “Von” do seu nome já denuncia isso)
que, no entanto, nasceu em São Petersburgo, na Rússia, em 12 de
fevereiro de 1861 e que morreu em 5 de fevereiro de 1937, a exata uma
semana de completar 76 anos de idade. Escreveu muito, e bem, mas se
tornou conhecidíssima Europa afora não precisamente pela sua
literatura, mas pelas pessoas que levou para a cama.
Entre
seus amantes (e todos famosos), destaco o poeta austríaco Rainer
Marie Rilke (um dos meus preferidos), de quem sofreu forte influência
literária. Deste relacionamento, aliás, resultaram suas obras
fundamentais como “A humanidade das mulheres” e “Reflexões
sobre o problema do amor”. Deixou-nos 21 livros, todos escritos em
alemão. Mas não se preocupe, vários deles já foram traduzidos
para o português.
Você
não ficou, ainda, satisfeito com as referências acima sobre
Andreas-Salomé? Faça o seguinte: Compre a excelente biografia dela,
lançada não faz muito no Brasil, escrita pelo seu mais meticuloso
biógrafo, o francês Stéphane Michaud. Ah, agora complicou de vez?
Você não conhece, também, esse escritor? Puxa, precisa se informar
mais e melhor. Hoje em dia, há uma infinidade de meios e facilidades
para isso. Vá à luta.
Mas...
para não dizer que não ajudei em nada, dou-lhe algumas dicas. Já
disse que Michaud é francês (com esse nome, está na cara!)
Acrescento: trata-se de um professor de Literatura. É pouco ainda?
Informo, pois, que leciona na tradicionalíssima Sorbonne. Mais
ainda? É editor da prestigiosa publicação literária francesa
“Romanticism”. Mais? Ora, ora, ora, passe numa livraria, compre a
biografia de Lou Andreas-Salomé que ele escreveu e mate dois coelhos
com uma única cajadada. Conheça dois escritores que têm tudo a
acrescentar à sua cultura. Ouse! Explore e expanda seus limites...
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Nenhum comentário:
Postar um comentário