Aprender
a observar
* Por
João Luís de Almeida Machado
Tentamos ensinar tantos temas, conceitos e ideias em sala de aula que muitas vezes deixamos de trabalhar alguns assuntos que são verdadeiramente essenciais para a educação. Por exemplo, não pensamos mais em aperfeiçoar (com profundidade) a leitura; raramente nos preocupamos em saber se nossos estudantes estão cientes de determinados tipos de ações e práticas básicas em educação, como a produção de fichamentos, sínteses, resumos ou textos dissertativos; não cobramos (e não realizamos) um maior enriquecimento cultural a partir da visita a museus, centros de pesquisa, cinemas, teatros ou universidades; deixamos de aguçar o interesse, a curiosidade e estimular os sentidos para a pesquisa, especialmente o olhar, a capacidade de observar com atenção e critério…
Pensando
nisso tenho utilizado com grande frequência algumas atividades que
pedem um esforço concentrado dos estudantes na observação de
filmes e imagens selecionadas, especialmente obras de arte.
E é
notável como há por parte desses jovens uma grande dificuldade de
ir além daquilo que é óbvio, do que está em primeiro plano. Os
cruzamentos de ideias e conceitos, as sinapses que nossas mentes
deveriam estar realizando, a reflexão mais aprofundada em relação
aos objetos observados e analisados poucas vezes supera níveis
minimamente razoáveis.
Pensar
em grandes resultados demanda mais prática, muito mais exercício.
Esse tipo de atividade vem tentar justamente suprir essa enorme
lacuna. Provocar os alunos e ao mesmo tempo tentar lhes atribuir um
papel cada vez mais constante de protagonistas da aprendizagem e não
de receptáculos de informação já previamente sistematizada.
Aliás,
esse é um dos principais objetivos em curto prazo das pessoas que
realmente estão estudando a educação. Superar o trabalho em aula,
ampliar os horizontes da educação, provocar os estudantes para que
se sintam desconfortavelmente curiosos e instados a procurar novas
informações. E nessa busca de novos dados, já não basta mais se
preocupar somente com a bibliografia (que continua essencial,
primeira e básica nessa conduta de pesquisadores que devemos ter), é
necessário ampliar os horizontes em direção as novas (ou não)
possibilidades.
O
que mais parece próximo dos jovens da atual geração com a qual
estamos lidando é o trabalho com as mídias e recursos eletrônicos,
especialmente os computadores e a Internet. É claro que consideramos
esse trabalho importante e que estimular e orientar ações de
pesquisa em relação ao universo virtual constituem responsabilidade
e compromisso obrigatórios dos educadores do século XXI.
Porém,
quando falo em aguçar os sentidos, especialmente o olhar, me refiro
à necessidade de observarmos a natureza, as pinturas, as esculturas,
os filmes, as dramatizações teatrais, as danças, as outras
pessoas, os animais, profissionais em ação, máquinas em uso,
técnicas de trabalho ou mesmo as relações entre pessoas.
Desaprendemos a capacidade de olhar e de admirar, de presenciar e
aprender com isso.
O
que fiz então, no trabalho com alunos de Ensino Fundamental e também
na universidade, foi levar a eles algumas imagens selecionadas de
obras de arte confeccionadas por povos da Antiguidade (egípcios,
gregos, babilônios, sumérios, acádios e romanos). Esse trabalho
pode ser feito com fotografias, filmes ou ainda com desenhos. Também
não há restrições quanto aos temas ou áreas de interesse que
podem utilizar dessa prática.
As
imagens devem ser destacadas com antecedência e, objetivamente
destinadas a enfatizar determinadas características, idéias ou
conceitos que desejamos vê-los discutir, perceber, entender e
aprender a respeito. Esse levantamento prévio das imagens por parte
dos professores pode ser feito a partir de acervos públicos (em
bibliotecas), com a coleta de fotografias ou reproduções de obras
de arte e sua posterior transformação em transparências ou
pequenos painéis que possam ser dispostos na sala de aula.
O
segundo momento requer muita percepção por parte dos alunos e uma
boa dose de silêncio por parte do professor. É uma parte do
trabalho em que o educador não deve dar informações acerca das
imagens apresentadas. Os estudantes têm que circular entre os
painéis ou ter um tempo certo para observar atentamente as
transparências.
Dessa
observação devem ser extraídos dados que sejam utilizados no
cruzamento da matéria discutida em aula previamente ou ainda em
relação aos temas que irão ser estudados. Essas informações têm
que ser sistematizadas num primeiro momento de forma individualizada.
Cada estudante cria o seu próprio rascunho com anotações
referentes aos detalhes que mais lhes chamaram a atenção e que
podem, em suas opiniões, ser úteis num debate mais amplo,
envolvendo todos os alunos e também o professor.
O
próximo passo é reuni-los em grupos pequenos, com 2 ou 3
integrantes, para que possam comparar o que obtiveram de dados em
suas anotações. A comparação permitirá que eles percebam a
diversidade dos olhares, a riqueza das diferenças que existem entre
eles. Os pontos comuns serão provavelmente reaproveitados pelo
grupo. Os diferentes pontos levantados por cada indivíduo serão
motivos de debate e se tornarão consenso desde que todos no grupo
concordem com os argumentos daquele que propôs essas ideias.
As
ideias consideradas válidas a partir da observação e análise de
todos os integrantes desses grupos devem ser colocadas numa
resposta/relatório que serão entregues ao professor.
O
próximo e último ato dessa programação é a interferência do
professor na apresentação e reflexão aprofundada a respeito das
imagens utilizadas no projeto.
Nesse
momento cabe ao educador falar a respeito das origens das imagens,
daquilo que representam, de seus autores (fotógrafos, artistas,
cineastas, desenhistas), das escolas artísticas as quais estão
associadas e, principalmente, da relação que existe entre elas e o
conteúdo que estão estudando ou que irão começar a falar a
respeito.
Na mais
recente aplicação dessa atividade junto a um grupo de alunos,
percebi que muitos deles têm grande dificuldade para realizar a
observação acurada das imagens e que muitos, por comodidade ou
preguiça, preferem respostas simplificadas e curtas, sem qualquer
preocupação com detalhes, informações de fundo e divagações que
lhes permitam ir muito além daquilo que lhes é oferecido de
imediato nas imagens. Cobrem muito, peçam mais!
Falta
mais bagagem cultural. Nossos jovens carecem de mais estímulos para
olhar muito além e buscar ir mais longe. Os caminhos mais curtos
estão mais em voga entre eles. Mas, em educação e ciência, esses
atalhos não levam muito longe, tolhem as possibilidades e encurtam a
vida útil daqueles que tentam chegar lá dessa maneira. São
literalmente vias tortas, que como nos labirintos, não levam a lugar
nenhum.
A
vontade e a disposição tem que ser semeadas pelos mestres e
incorporadas pelos estudantes. Por que, se eles assim não fizerem,
estão fadados ao fracasso e não ao sucesso em suas vidas futuras,
seja no sentido profissional ou no pessoal…
*João
Luís de Almeida Machado é doutor em Educação pela PUC-SP;
Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie (SP); Professor Universitário e Pesquisador;
Autor do livro "Na Sala de Aula com a Sétima Arte –
Aprendendo com o Cinema" (Editora Intersubjetiva).
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