Moby Dick
Deve
o escritor se preocupar com o que se convencionou chamar de abordagem
(e linguagem) politicamente correta? No meu modo de entender, não!
Afinal, quem estabeleceu, e impôs como dogma, que isso é certo,
aquilo é errado e vai por aí afora? Que autoridade essas pessoas
(ou entidades, ou grupos, não importa) têm para isso? Quem lhes
conferiu tal prerrogativa? Entendo que o escritor deva, sim, se
preocupar, mas com o “gramaticalmente correto”. Essa tem que ser
não só sua preocupação constante, como até obsessão.
O
que é “politicamente correto”? O que hoje é considerado como
tal, amanhã já não será mais. Seus parâmetros variam ao sabor do
tempo e das gerações. E principalmente quando tenta ditar normas em
termos de moral. Esta, porém, é a mais variável possível, mudando
a todo momento de direção como uma pena no ar, ao sabor dos ventos.
Um
dos grandes romances já produzidos em todos os tempos, que entraria,
facilmente, na relação dos melhores já escritos até hoje, seria,
a rigor (e é por alguns tolos e desocupados) considerado
absolutamente “politicamente incorreto”. Refiro-me a “Moby
Dick”, do norte-americano Herman Melville. Afinal, tem como tema
central a caça às baleias.
Também
sou dos que se opõem à matança indiscriminada de espécies
animais, não importa se marinhas ou terrestres, até a completa
extinção, ou quase. Não vejo a menor justificativa para isso.
Ocorre que Moby Dick, ao contrário dos que leram o romance e nada
entenderam dele (por isso o interpretaram de maneira equivocada) não
faz “apologia” da caçada a esse cetáceo gigantesco, mas presa
relativamente fácil do homem.
Limita-se
a descrever algo que acontecia (e que ainda acontece em larga escala,
a despeito dos vários acordos para pôr fim a esse procedimento) com
frequência. Ou seja, não se detém a “opinar” se a realidade é
bonita ou horrenda, se aquilo era certo ou errado. Não faz juízo de
valor. Deixa isso por conta de quem o lê. Limita-se a mostrar que a
realidade, posto que horrenda, existe e é como é. Escondê-la
debaixo do tapete não faz bem a ninguém, porquanto apenas a
perpetua daquela forma.
Também
sou sonhador e acalento (mesmo que secretamente) minhas utopias. Mas
não posso deixar de concordar com Anatole France quando observa que
“toda ideia falsa é perigosa. Crê-se que os sonhadores não fazem
mal; é engano, pois fazem-no e muito., As utopias aparentemente mais
inofensivas exercem realmente uma ação nociva. Tendem a inspirar o
nojo da realidade”. Mas é nesta que vivemos. Em vez de nos
limitarmos a nos enojar dela, temos é que agir para modificá-la
para melhor.
“Moby
Dick”, transformado em filme em 1956 (dirigido por John Houston),
foi publicado, inicialmente, em Londres, em 1851. E não na forma de
livro, mas em três fascículos e sob o título de “A baleia”.
Nesse mesmo ano, porém, foi também lançado na forma como o
conhecemos hoje, e em Nova York. O romance, inicialmente, foi um
tremendo fracasso, tanto de crítica quanto de vendas.
Os
críticos acusavam Melville de haver produzido um “monstrengo”
que não era nem ficção e nem informação objetiva. O livro foi
encarado como uma espécie de Frankenstein. E por que? Por trazer
detalhes até então nunca utilizados em ficção.
Hoje,
“Moby Dick” é encarado como revolucionário, um pioneiro, um
marco no romance contemporâneo. Traz informações verídicas sobre
vários assuntos, no meio da história inventada pelo autor. Informa,
por exemplo, sobre os tipos de baleias existentes, métodos de caça,
tipos de arpões utilizados, do porque da cor branca dos cachalotes
(no caso, de Moby Dick), sobre detalhes de navios baleeiros, produtos
extraídos dos animais caçados, suas utilidades etc.etc.etc.
E
tudo isso foi colocado, engenhosamente, na boca do principal
personagem, Ismael, que faz as vezes de narrador da aventura, e
sempre na primeira pessoa. Traz, sobretudo, um sem-número de
reflexões (que na verdade, claro, eram as do escritor e não
propriamente do personagem). Todos esses detalhes foram narrados com
realismo e propriedade, por quem sabia do que estava tratando,
porquanto viveu em barcos baleeiros.
A
força de “Moby Dick” está, justamente, nisso, No fato de nos
transportar, pela magia da literatura, praticada com perícia por um
escritor com “E” maiúsculo, quer ao ambiente descrito, quer nos
fazendo ter as sensações de uma caça à baleia.
Passados
166 anos de lançamento, o livro de Herman Melville ainda é dos mais
vendidos mundo afora. Agora pergunto: onde estão os tais críticos,
que tentaram ridicularizá-lo? Alguém se lembra do nome deles, de um
só que seja? Claro que não!
Suas
observações, posto que pedantes e arrogantes, foram tão efêmeras
quanto o veículo, no caso jornal, em que foram publicadas. Nasceram
por volta das quatro horas de determinada manhã e já estavam mortas
ao meio-dia.
Um
livro, porém, especialmente quando magistral e escrito com talento,
paixão e verdade, atravessa séculos e séculos, às vezes até
milênios, encantando leitores só Deus sabe quantos e de onde. Essa
é nossa vingança contras quem nos critica: a permanência. Querem
coisa melhor?
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
De fato o politicamente correto em uma época não o é em outra, no entanto sou defensora do politicamente correto ao se tratar de pessoas, especialmente aquelas que são minorias.
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