Presente
de Natal
* Por
Juremir Machado da Silva
—Ei,
vamos tomar uma cerveja que esta roupa de Papai Noel está me
deixando louco de calor.
— Hã…
Vamos. Acho que o ar deste centro comercial não funciona bem. Também
com esta barba e este mormaço…
— Estou
sem ar…
— O
patrão não vai reclamar?
— Não
tem criança agora.
— Salta
uma estupidamente gelada.
— Pré-congelada.
— Melhor
tirar a barba para beber.
— Também
vou me pelar.
— Mas,
agora te vendo sem barba, eu te conheço: Chico da Dona Joaquina.
— Paulinho
do Seu Ari do Armazém.
— Eras
um pau de virar tripa.
— E
tu eras gordo e vivias enchendo o saco dos outros.
— É.
Muita coisa mudou.
— Às
vezes, eu penso nisto. Afundei.
— Na
cerveja?
— Não.
Na vida.
— Tu
não ias ser jogador de futebol?
— Ia.
Mas ninguém me deu bola na capital.
— Chutavas
muito bem de esquerda, um canhão.
— É.
Era minha especialidade. Agora é só bico. Tu só jogavas por ser o
dono da bola. No resto, era uma seleção.
— Um
combinado.
— Uma
orquestra.
— Uma
charanga.
— Tinha
muita gente com nome de jogador naquele nosso time.
— Joel,
Nílton e Bebeto.
— Platibanda,
Nico e Marli.
— Marli
não. Isso é nome de biba. Platibanda, Nico e Gessi.
— Não
se dizia biba na época.
— Tudo
evolui.
— De
tanto pensar, eu me afundo.
— Na
vida?
— Na
cerveja.
— Que
foi que deu errado?
— Isto.
— A
cerveja?
— A
vida.
— E
a tua irmã? Era linda.
— Casou
com um jogador de futebol.
— Rico?
— Não.
Da terceira divisão. É reserva de Papai Noel em outro shopping.
— Eu
era gamado nela.
— Não
se diz mais gamado.
— Está
bom, vidrado. Continuo o mesmo. Vou devagar.
— Na
cerveja?
— Na
vida.
— Não
ias ser médico?
— Sou.
— E
que estás fazendo aqui de Papai Noel?
— Diminuindo
o estresse.
— Sem
papo. Andas de saco cheio?
— Não.
Eu vinha da escola da minha filha quando me chamaste para tomar uma
cerveja.
— Boa
essa! Dá um abraço. Posso te ajudar em alguma coisa?
— Me
fala mais daquele nosso time. No ataque, tinha Duda, Maninho e Sadi.
Lembra daquele gol antológico que eu tomei?
— Não
lembro.
— Aquele
de escanteio.
— Lembro
de um do meio do campo.
— Não
lembro.
— Apesar
de gordo e frangueiro, eras um bom goleiro. Quero dizer, tinhas
potencial.
— Eu
era o dono da bola.
— Outra
estupidamente gelada.
— Pré-congelada.
— Ah…
— A
vida?
— Sim.
A vida.
— Vamos
passar o Natal juntos.
— Não
posso. Sou Papai Noel. Estou de serviço.
— Eu
te ajudo, amigo velho.
— Teu
saco está cheio. Cuidamos dele primeiro. Depois mergulhamos de
cabeça.
— Na
cerveja?
— Na
vida.
* Jornalista e historiador.
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