Pena máxima para a mentira!
* Por
Mara Narciso
“Não levantar falso
testemunho”
A mentira não é um dos
Sete Pecados Capitais, tem status maior, sendo o oitavo dos Dez Mandamentos
escritos por Deus nas Tábuas da Lei, e dados a Moisés no Monte Sinai. Desde os
primórdios da civilização tenta, com os outros nove, organizar a sociedade, e
vem, através dos milênios, acompanhando a humanidade e se adaptando a cada
época.
Primariamente, verdade
seria o oposto da mentira. Mas, o que é a verdade? “Conformidade com o real, exatidão,
realidade”, mas tem sido algo completamente maleável e adaptável ao interesse
de cada grupo, com uma plasticidade surpreendente, mudando com os anos, com as
estações, com os dias e até mesmo ao sabor das horas, adquirindo contornos
assombrosos.
A mentira bem contada
tem vida longa, podendo se eternizar na História como fato acontecido, até com
documentos para comprová-la. Muita coisa ensinada é calcada em falsidade. Por
isso não se deve agarrar a uma versão como se fosse a única possível. A avaliação
dos acontecimentos depende do ponto de vista e este de algum interesse. Uma
mesma ideia pode ter interpretações e valorizações opostas, e isso não implica
em má intenção. Excluindo-se a paixão, quem acredita passa para frente como se
fosse fato. O tempo faz aumentos e diminuições, distorcendo o acontecido. A
experiência mostra isso, desde as dinâmicas em sala de aula. Em poucas versões
e interpretações, um caso vira seu oposto. No Jornalismo, a escolha do
entrevistado e das palavras transforma uma notícia em outra, daí a importância
da isenção e exposição de dois pontos de vista. Em caso contrário é panfleto.
Quando a intenção é
contar a verdade a falha na memória já muda alguma coisa, imagina quando a
vontade é escamotear o acontecido, edulcorá-lo ou demonizá-lo? Quando muitas
fontes e seus interesses contam uma mesma versão combinada, a mentira vira
verdade? Ou o contrário, uma verdade vira mentira? Em tempos mais ingênuos uma
fala impressa virava fato. Depois vieram os meios de comunicação e se ouvia: li
no Cruzeiro; deu na Rádio Globo; saiu na Veja; assisti no Jornal Nacional.
Tempos ruins aqueles
da Ditadura, em que só havia uma mentira, a dela. Feito cordeiros ignorantes, a
população amordaçada seguia conformada. Saltando 50 anos, tem-se um mundo
excessivamente conectado, mas desinformado. Farsas, fraudes, conluios,
conspirações, uniões espúrias, crimes de vingança, julgamentos e condenações,
situações nas quais paixões se tornam convicções, levam a apenamentos antes
mesmo das provas. Delatores travestidos de “colaboradores” querendo salvar a
própria pele, dizem e desdizem suas versões, enquanto umas cabeças interpretam
e outras rolam, mas nem todas. Tudo é cadenciado por interesses. Os
linchamentos são escolhidos na bandeja. Quem está com a verdade?
Gestos vis de
comemorar a doença e a morte de alguém foram socialmente deflagrados desde as
perseguições, capturas, torturas e mortes de líderes como Osama Bin Laden,
Saddam Hussein e Muammar Kadhafi. Ter ódio está na moda, e poucos querem perder
o trem.
Nas redes sociais
corre solta a boataria irresponsável, cínica e hipócrita, jogada para aguardar
repercussão; opiniões circulam como notícias e ódios caminham como opiniões. As
personificações do bem e do mal se tornaram obrigatórias, como se os protagonistas
e os antagonistas fossem imprescindíveis nas tomadas de posição. Todos escrevem
o que pensam, alguns se sentem especialistas, se arvoram de gurus, e lá do alto
dizem aos comuns qual caminho seguir.
Oponentes,
concorrentes e adversários de pensamento são inimigos e a degola é pedida.
Difícil interpretar os motivos de alguém sentir ira por outro que não conhece e
nem sabe direito quem foi e o que fez. Os cheios de razão, os com a cabeça
feita continuarão com seus discursos de pestilência, intolerância e destruição.
Contradição em alta: para punir a mentira, melhor não acreditar na verdade.
Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
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