quinta-feira, 30 de junho de 2016

Como é a sua letra mesmo?


* Por Marcelo Sguassábia


Ninguém sabe mais como é sua letra. Nem você. Por mais intelectualmente articulado que seja e por mais Pós-Doutorados que possua, se tiver que escrever alguma coisa você vai se pegar desenhando as palavras. De um jeito desengonçado, como se estivesse aprendendo a andar de bicicleta.

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O teclado da máquina de escrever, e depois o do computador, foram os primeiros culpados. Acabaram matando aos poucos o meio físico que ligava o que se quer dizer ao que saía escrito, ou seja, a caneta ou o lápis. Mas ainda havia algo entre a intenção e o resultado: o teclado. O frio e insípido teclado, essa coisa infestada de migalhas de bolacha entre as letras. Por questões de conforto nos textos de longo curso, ele ainda resistirá um pouquinho mais, embora tecnologicamente já esteja liquidado.

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Do toque ao touch na tela, diretamente no vidrinho sensível do tablet ou do celular. As teclas de pixels, espremidas. Esbarrões frequentes nas letras vizinhas resultaram no amaldiçoado corretor ortográfico, cybercausador de mal-entendidos, divórcios e demissões por justa causa. Dorretor mwtido a busta, và cuidar da sua fida!

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O número de mortes/ano por digitação em trânsito, dentro do carro ou atravessando a rua, dão sinal verde para o avassalador sucesso dos aplicativos de escrita por ditado. Por meio de reconhecimento de voz, transformam em texto o que se diz, liberando as mãos e a atenção do indivíduo. Fanhos, gagos e gente de língua presa devem tomar cuidado ao utilizá-los.

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A escalada tecnológica alcança níveis inimagináveis. Canetas, lápis, teclados, celulares, tablets e aplicativos que escrevem o que se fala também estão condenados à extinção. Em várias partes do mundo, testemunhas relatam ter visto gente falando diretamente com gente, sem intermediação de nenhum instrumento ou aparelho eletrônico. Conforme a pessoa vai falando, a outra já escuta, entende perfeitamente e responde na sequência. Um avanço sem precedentes na longa história da comunicação humana.


* Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).

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