Inteligência
e bondade
* Por Pedro J. Bondaczuk
A bondade, ou seja, a capacidade de ajudar o próximo, de
maneira espontânea e desprendida, só para vê-lo seguro, alegre ou pelo menos
equilibrado, sem esperar a mínima espécie de reconhecimento (nenhuma, sequer a
sua gratidão) – e essa ajuda nem mesmo precisa ser de caráter material,
bastando, não raro, um simples minuto de atenção, que pode fazer a diferença
entre a vida e a morte de alguém –, é o que verdadeiramente distingue o homem,
na verdadeira acepção do termo, dos demais animais.
É através de gestos dessa espécie que ele faz luzir sua
racionalidade. Essa atitude, embora os néscios, os gananciosos e os egoístas
não percebam (e não admitam), é que lhe confere superioridade moral,
ascendência afetiva e credibilidade. Os maus, que movem guerras, conquistam
cidades e causam dor e aflição, ficam, muitas vezes, para sempre nos livros de
história. Seus nomes são lembrados, em geral com horror e asco, para todo o
sempre, como são os casos de grandes guerreiros de todos os tempos, como Átila,
Alarico, Alexandre, o Grande, Júlio César, Napoleão, Hitler, Stalin e tantos e
tantos outros, de todos os tempos e lugares.
Figuras bondosas, todavia, têm recompensa muito maior: são
alçadas à santidade! E, mesmo depois de mortas, são invocadas por fiéis, para
interceder por eles, em suas preces, junto à divindade (e sequer interessa
saber se essa intercessão tem ou não o mínimo efeito prático). É o caso, por
exemplo, de São Francisco de Assis (apenas para citar um desses seres
abnegados, todos bondade e compreensão que, esquecidos das próprias
necessidades e aflições, só pensam na valorização e na preservação da vida,
humana ou não).
O caso mais recente, nesse aspecto, é, sem dúvida, o de
Madre Teresa de Calcutá. Pessoas dessa espécie podem não constar das páginas da
História – esse desfile de aberrações, brutalidade e loucura –, que registra a
trajetória de povos e nações, com seus dramas e contradições. Mas se perpetuam
na “memória” de gerações. Suas ações são reconhecidas e exaltadas por séculos
afora. Seus feitos são aumentados pelo imaginário popular. Tornam-se lendas,
sagas e mitos. São santificadas. São inteligentes, porquanto boas.
O compositor Ludwig
van Beethoven afirmou que “não existe verdadeira inteligência sem bondade”. O
sacerdote dominicano francês, Padre Jean Baptiste Henri Dominique Lacordaire
(1802-1861) foi ainda mais explícito, e mais enfático nessa constatação. Escreveu,
em um de seus tantos livros, voltados à orientação moral e espiritual da
juventude: “Não é o gênio, nem a glória, nem o amor que medem a elevação de
nossa alma. É a bondade”.
O poeta Vinícius de Moraes coloca essa verdade de forma
ainda mais simples e direta, ao escrever, na letra de uma de suas tantas
canções, em parceria com Antonio Carlos Jobim: “A vida só dá para quem se deu”.
Claro que a pessoa dotada de bondade não faz o bem esperando qualquer espécie
de recompensa. Age assim porque é sábia. Porque isso lhe dá prazer. Porque
“pode” ajudar e por isso não se faz de rogada: ajuda.
Em Campinas, nos últimos anos, cresceu bastante o movimento
do voluntariado. Dezenas, talvez centenas de pessoas reservam um pouco do que
têm, e parcela considerável do seu tempo, para ajudar creches, asilos,
hospitais, orfanatos e outras tantas entidades assistenciais, que lutam com
enormes dificuldades para sobreviver. Levam carinho, conforto, esperança e
alegria aos que precisam.
Seus nomes não freqüentam as manchetes dos jornais e nem
mesmo as colunas sociais. Seu trabalho, em geral anônimo, todavia, é
inestimável. Ajudam porque sentem prazer. Desdobram-se em benefício do próximo
porque têm consciência da importância, da transcendência e da grandeza da vida.
São solidárias porque são, verdadeiramente, inteligentes. O dramaturgo inglês,
William Shakespeare, escreveu: “O futuro do homem não está nas estrelas, mas
sim na sua vontade”.
Michel Quoist, que nos legou magníficas orações em forma de
poemas (ou seria o contrário? Não importa!), fez a seguinte (e pertinente)
constatação: “Na nossa vida há duas soluções: amar a si próprio até o
esquecimento total dos outros ou amar os outros até o esquecimento total de
si”.
Quem faz a primeira opção, pode até enriquecer. Conquista
fama, fortuna e poder (quando conquista, é claro), mas nunca consegue a
desejável paz de espírito. E quando morre, não leva nada disso consigo. A
fortuna fica para os herdeiros, que não raro a malbaratam. A fama...é
enganadora e logo se esvai. E o poder? Bem, que poder é esse que nada pode
contra a morte? Quem faz a segunda
escolha, no entanto, pode atravessar a vida sofrendo toda a espécie de
privações (e via de regra atravessa). Mas é dotado de sabedoria. Conquista o
mundo! Ascende à santidade!
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas
(atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e
do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma
nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991
a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição
comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Um texto que defende a contramão do que hoje é valorizado.
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