Pelos foros do idioma
* Por
Octávio Mangabeira
Poderia dirigir-vos a
palavra usando de outro idioma, que vos fosse mais acessível. Acredito,
entretanto, prestar-vos afetuosa homenagem, falando-vos aqui na mesma língua em
que falam, através dos vinte Estados em que se divide o país, os trinta e sete
milhões, que somos atualmente os brasileiros. Índice, tão expressivo, da
unidade nacional, que é, por seu turno, o mais caro dos nossos patrimônios, é
nela que nos habituamos a exprimir as nossas emoções, entre as quais não é
pequena a que nos inspira este espetáculo de fraternidade universal; nela se
escreveram os nossos hinos, entre os quais é dos mais entusiásticos o que
entoamos em vosso louvor; por ela recebemos, há quatro séculos, dos navegadores
portugueses que nos descobriram o território, a sagrada missão de cultivar,
para que florescesse e prosperasse, nestas paragens da América, uma pátria que
seria um dos redutos da latinidade no mundo.
(Do discurso
pronunciado pelo Sr. Otávio Mangabeira, Ministro de Estado das Relações
Exteriores, na sessão inaugural da 13ª Conferência Parlamentar Internacional do
Comércio, em 5 de setembro de 1927.)
***
Recomendo a Vossa
Excelência que, no desempenho das funções de representante do Brasil, procure
cooperar, sempre que for oportuno, e por todos os meios idôneos que as
circunstâncias lhe proporcionem, para a expansão e o prestígio da língua
portuguesa. Lembrando-se, no estrangeiro, do idioma, que é uma viva expressão
do país, não deixará de estar Vossa Excelência prestando o seu culto à Pátria.
(Circular n. 231, de
24 de maio de 1928, enviada pelo Sr. Otávio Mangabeira, Ministro de Estado das
Relações Exteriores, às Missões Diplomáticas e aos Consulados de carreira,
sobre a expansão e prestígio da língua portuguesa.)
***
Grata honra é para mim
a de receber, meus senhores, da colônia portuguesa no Rio de janeiro, esta
insigne homenagem. Abri o coração a Portugal, desde que abri os olhos para a
vida do entendimento e do espírito: pela grandeza, sem par, das suas epopéias;
pelos serviços, sem conta, de que lhe é devedor o Brasil.
Aos portugueses e,
sobretudo, aos que edificaram entre nós a tenda dos seus trabalhos e o lar das
suas famílias, habituei-me a não considerar, por assim dizer, estrangeiros, tão
absoluta a comunhão em que se confundem conosco, tão evidentes as afinidades,
tão decisivos os laços, tão velhas, tão profundas, tão sagradas as relações que
fazem dos dois povos, de certos pontos de vista, o prolongamento um do outro.
Entre as heranças que
de Portugal advieram ao Brasil, e no Brasil se avigoram, e hão de
desenvolver-se e reflorir, há uma de significação incomparável: é a língua em
que falamos.
Agradecido ao
privilégio que teve de penetrar-lhe os segredos e de realçar-lhe os primores,
cantou-a Olavo Bilac nestes versos, sem que suspeitasse, talvez, de que dela
deixava, nestes versos, uma expressão imortal de graça e de beleza:
Amo-te assim,
desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor,
lira singela,
Que tens o trom e o
silvo da procela
E o arrolo da saudade
e da ternura!
Amo o teu viço agreste
e o teu aroma
De virgens selvas e de
oceano largo!
Amo-te, ó rude e
doloroso idioma,
Em que da voz materna
ouvi: Meu filho!
E em que chorou
Camões, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e
o amor sem brilho!
Bendita seja!
Exaltemo-la! Honrá-la é honrar pai e mãe, que nô-la transmitiram com o seu
sangue. Tenho dito. Tenho dito com toda a minha alma. Não há porque não dizer
mais uma vez. Defendê-la, preservá-la, é preservar, é defender a pátria.
Devo ter, do vosso
ato, distinguindo-me com tais demonstrações, a compreensão verdadeira. Sei bem
o que sou e o que fiz. Ministro das Relações Exteriores, exprimi, por palavras
e atitudes, aliás da maior simplicidade, um grande sentimento que é comum a
Portugal e ao Brasil. Nada mais. Não é, portanto, a mim pessoalmente que se
tributam essas honras: é, antes, a uma bandeira, que abriga os dois países, e
que me coube, por dever do cargo, em um dado momento, empunhar.
Do episódio a que
assistimos, guardará esta casa lembrança no bronze que lhe trazeis. Ei-lo,
testemunho inolvidável de que, Brasileiros e Portugueses, nos orgulhamos do
nosso idioma, tanto quanto da terra em que nascemos ou das origens de que
provimos. Por ele se inflama o nosso entusiasmo, por ele vibra o nosso ardor
patriótico, por ele estremece o nosso coração.
Agradeço ao vosso
intérprete, sem dúvida um dos mais autorizados que poderia falar em vosso nome
- e o fez com tanta eloqüência - as palavras de tamanha bondade, que são como
um novo prêmio que me houvésseis conferido. O documento que me ofereceis, honrado
pelas vossas assinaturas, é um título de que me desvaneço. Os que se encontram
nos postos, como este que ora ocupo, necessitam de apoios e de estímulos, como
este que ora recebo.
Glória a Portugal,
glória ao Brasil! O ramo do tronco latino, que constituímos no mundo, não há de
perecer. Nutrido, alimentado pela seiva de cada geração, há de substituir
honrando a árvore, sobre a qual se processa, impunemente, a seqüência dos
séculos; há de cobrir-se de flores, há de pejar-se de frutos, há de agasalhar à
sua sombra um dos principais entre os redutos da civilização humana.
Assim não desmereçam
as nossas pátrias da devoção de seus filhos, e, antes e acima de tudo, da
proteção de Deus!
(Discurso proferido
pelo Sr. Otávio Mangabeira, Ministro de Estado em agradecimento a manifestações
da Colônia Portuguesa.)
*
Engenheiro civil, jornalista, professor, político, diplomata, orador e
ensaísta, membro da Academia Brasileira de Letras.
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