domingo, 16 de agosto de 2015

A política


* Por João Luís Alves


A política vos acenará com as glórias da tribuna parlamentar e dos serviços prestados à pátria no seu governo, mas para conquistá-las, não vos iludais, amargos serão os dias de luta, tristes os desenganos, muitas as perfídias. As ambições contrariadas criarão obstáculos às vossas mais puras intenções e criarão obstáculos às vossas mais puras intenções e as próprias paixões populares levantarão barreiras aos vossos atos mais sinceramente patrióticos...

Talvez vos lembreis então dos versos de Musset:

"La politique, hélas, voilà notre misère,
Mes meilleurs ennemis me conseillent d’en faire."

Quer isso dizer que deveis evitar a carreira política?

Não vos daria tal conselho, não só porque - mais do que Ernesto Rénan, je suis peu qualifié pour cela, como porque não quero ver despontar em vossos lábios um sorriso de ironia...

Demais, acredito com Thulie que a política não é um direito, é um dever, e penso com Eugène Véron, que "não fazer política quando se é cidadão, é faltar ao primeiro, ao mais absoluto de seus deveres, por isso que a política representa os interesses mais elevados e mais gerais da sociedade."

Se a carreira política vos solicitar, lembrai-vos do conselho de Rénan: jamais acrediteis que sois necessários à pátria; basta que lhe possais ser sempre úteis.

Uma virtude não vos faltará, com desvanecimento o afirmo, e é a da incorruptibilidade que, no dizer de Tarde, é a virtude profissional do homem político.

Couraçados por ela contra as surpresas e sofrimentos da vida política, grandes e inesquecíveis serviços espera a pátria de vós.

A República conta com as gerações novas - que a venham servir com patriotismo e competência.

Não creio nos perigos que os profetas da desgraça anunciam contra a sua existência.

Acredito, porém, que é necessário todo o nosso empenho para que frutifique beneficamente o regímen republicano federativo.

Eu já disse algures que é na vivificação da Constituição de 24 de fevereiro, pelas leis orgânicas e complementares, que desenvolvam os princípios por ela consagrados, que está a maior obra que o país reclama para o completo funcionamento do regímen republicano.

Defender a integridade do país, pela boa prática da federação, pela unidade do direito nacional, pela igualdade das leis fiscais; assegurar a autonomia dos Estados por uma leal regulamentação da faculdade interventora da União e por uma honesta aplicação da descriminação de rendas já feita; manter os direitos individuais e a ordem pública por um código penal que satisfaça às necessidades da nossa civilização; transformar em realidade a tentativa de Teixeira de Freitas, de Nabuco e de Felício dos Santos, já hoje mais próxima pela obra de Coelho Rodrigues e de Clóvis Beviláquia, dotando-nos com um Código Civil que corresponda aos progressos da sociedade brasileira, nas suas relações jurídicas privadas; fazer do voto uma realidade eficaz na direção geral dos públicos negócios; esses e tantos outros problemas vitais para a República aí estão a desafiar, no campo da política, tomada na sua acepção elevada e nobre, a vossa competência, o vosso patriotismo e o vosso estudo.

Se é com esses ideais que a política vos atrai, desde já vos auguro glórias imorredouras e triunfos certos.

Mas, lembrai-vos da advertência de Cormenin, o cáustico Timon: "Lembrai-vos de vossas leis vão fazer a felicidade ou a desgraça do povo, protegê-lo ou oprimi-lo, moralizá-lo ou corrompê-lo."

No curso de ciência da administração que juntos fizemos, e cujo estudo mais aprofundado ser-vos-á necessário na carreira política, acredito que deixamos esboçada, em linhas gerais, a função do Estado e, conseguintemente, traçada a ação dos homens políticos.

Nesta hora de despedidas, ainda vos pedirei, em bem da pátria comum, que fugindo dos escolhos do Estado - providência que não só matará as energias vitais da nossa atividade social e da iniciativa privada, sempre fecunda, como produzirá excessos tributários e desastres financeiros, eviteis também o Estado-policial, que não preencherá a sua missão de órgão supremo do desenvolvimento e do progresso da nossa jovem nacionalidade.

A utilidade e bondade dos vossos serviços à pátria se patentearão se na ação política que porventura vos for dado exercer "deixardes de parte o doutrinarismo econômico, jurídico e político e encarardes a realidade das cousas sociais" do nosso país.

Qualquer que seja, porém, o vosso destino, como juiz, como advogado, como político, o problema sempre posto ao vosso espírito será o problema do Direito.

Aqui aprendestes a estudá-lo conosco; na vida pública tereis de estudá-lo nos conflitos sociais que ele é chamado a derimir, como condição de coexistência entre os homens e entre os povos.

Vê-lo-eis despido do caráter especulativo que aqui lhe notastes e encontrá-lo-eis como força propulsora da civilização humana, de que ele é, ao mesmo tempo, produto e fator.

Juiz aplicai essa força com os temperamentos da eqüidade; advogado invocai-a com lealdade e sinceridade; político estabelecei-a, sem idéias doutrinárias preconcebidas, auscultando as necessidades do meio social e do momento histórico, se não quiserdes transformá-la em instrumento de anarquia ou vê-la, como letra morta, repelida pela consciência nacional.

(Discurso, 1902.)


* Jurista e político, membro da Academia Brasileira de Letras.

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