Organização
no texto
* Por Pedro J. Bondaczuk
O escritor (como, ademais, qualquer artista ou
profissional) precisa ser organizado, se quiser escrever algo que realmente
seja valioso e o sobreviva. Há um ditado popular que diz: “da desordem das
coisas, vem a desordem das idéias”. E vem mesmo. É necessário organizar ambos,
até para não se perder.
Se, por exemplo, o escritor não sabe onde estão os
meios de consulta (livros, anotações, artigos etc.) ao seu dispor nas horas de
necessidade, no instante em que lhe bater alguma dúvida (e todos temos esses
momentos de “apagão mental”), não saberá como a dirimir. Não raro, acaba por
desperdiçar uma boa idéia, que iria enriquecer e valorizar seu texto, só por
não conseguir se organizar.
Ademais, caso não encontre à mão as ferramentas da
sua atividade (computador, caneta, bloco de papel, agenda) não poderá construir
a obra que tem em mente. E
essa organização o escritor deve levar, sobretudo, para o seu texto.
As idéias que expõe precisam ser claras, diretas,
objetivas, sem muitos rodeios e nem supérfluos “enfeites. Devem, por exemplo,
ter começo, meio e fim, para serem coerentes e, portanto, inteligíveis. Várias
não têm.
Muitos talentos são desperdiçados apenas por falta
de organização. Esse deve ser o ponto de partida para os que se sintam
vocacionados para a atividade e pretendam escrever algo que preste. Theodore
Adorno tratou dessa situação no livro “Mínima Moralia”, e constatou: “O
escritor organiza-se no seu texto como em sua casa. Comporta-se nos seus
pensamentos como faz com seus papéis, livros, lápis, tapetes, que leva de um
quarto para o outro, produzindo uma certa desordem. Para ele, tornam-se peças
de mobiliário em que se acomoda, com gosto ou desprazer. Acaricia-os com
delicadeza, serve-se deles, revira-os, muda-os de lugar, desfá-los”.
Cabe, aqui, uma observação, válida tanto para a
organização das coisas, quanto das idéias. Muitas vezes o que parece imensa
“bagunça” para uns, é o máximo da ordem para outros. Vou dar um exemplo para
deixar a observação mais clara. Certa ocasião, encomendaram-me um ensaio
sumamente complexo e quem o encomendou queria que o texto fosse no mesmo estilo
que utilizo para escrever minhas crônicas. Ou seja, que não tivesse nenhum
jargão (inteligível, apenas, por meia dúzia de “iniciados”) e que pudesse ser
entendido por qualquer leigo na matéria.
Pesquisei durante semanas o tema. Reuni uma
quantidade considerável de livros sobre o assunto, além de artigos de jornais e
revistas e de anotações pessoais feitas em dezenas de agendas que tenho
arquivadas em minha estante, em uma prateleira que lhes é destinada. Ao lado da
bancada em que está o meu computador, há uma grande escrivaninha, com bastante
espaço, posta ali com um fim específico. Espalhei esse material todo nela, na
ordem rigorosa de utilização e fui almoçar tranqüilo, pensando em como faria a
abertura do tal ensaio.
Nesse ínterim, a empregada resolveu arrumar o meu
gabinete de trabalho. Qual não foi, porém, a minha surpresa (diria ira e
frustração) ao voltar à lida, pronto para iniciar a redação do texto! A
escrivaninha estava absolutamente vazia! Minto, estava lustrosa (a empregada
havia passado óleo de peroba nela), com um vasinho de flores no centro, mas sem
nenhum livro, recorte de jornal, agenda, nada. Entrei em pânico! O trabalho de
semanas de pesquisa estava todo perdido e teria que ser reiniciado.
O pior foi a observação da empregada, em tom de
censura, tão logo nos cruzamos: “Puxa, seu Pedro, seu gabinete estava uma
bagunça! Arrumei tudinho. Guardei todos aqueles livros espalhados nas
prateleiras e os recortes, pus onde o senhor costuma guardar”.
Minha vontade, naquela hora, era a de deixar de lado
todos os princípios de cortesia e educação e esganar a “secretária do lar”. Ou,
no mínimo, dar-lhe algumas valentes palmadas. Claro que não fiz isso. Dei-lhe,
somente, um sorriso amarelo e pedi-lhe, com a maior gentileza que minha
frustração ainda poderia permitir, para nunca mais “arrumar” meu gabinete sem
antes me consultar.
Muita coisa que parece bagunçada em meu texto,
também não é. Quem lê o esboço inicial do que escrevo, fica perdido no assunto.
Por isso, não o mostro para ninguém. É que depois do tema ser “fermentado” por
dias no meu cérebro, ao sentar-me junto ao computador, despejo tudo o que me
vem à mente sobre o assunto, aos borbotões. E esse “copião” original fica
vasto, extenso, interminável. Se me pedem para escrever uma crônica com seis
mil toques, por exemplo, esse “rascunho” sai com 60 mil! Faço isso de
propósito: para não perder uma só idéia. É uma espécie de “brainstorm”.
Posteriormente, faço o que melhor sei fazer: a
edição do texto. É um processo exaustivo de cortes e acréscimos (mais estes do
que aqueles), que me consome um bom tempo, mas que é a parte que mais aprecio
na minha atividade. Afinal, fui treinado
durante uma vida toda, por décadas a fio, para ser editor (e é o que sou e
sempre me considerei).
Ao cabo desse exercício, todavia, emerge a versão
final. O que antes parecia “bagunça” (como a escrivaninha que a empregada
arrumou), se revela exatamente o contrário. Ou seja, mostra-se extrema (até um
pouco neurótica) organização. E, modéstia a parte, o texto a ser encaminhado a
quem o solicitou (salvo raríssimas exceções) emerge fluente, coloquial,
inteligível (espero que também inteligente), com empatia e com o número
milimetricamente exato de toques, para cair como uma luva, sem que sobrem ou
faltem caracteres, no espaço que o editor me destinar.
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de
Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do
Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em
equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por
uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de
“Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio
de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49
(edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996
a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54.
Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Quando meu fiolho9 hiperativo destruía tudo e não deixava nada em lugar algum, desenvolvi traços do Transtorno Obsessivo Compulsivo. Imaginava que se eu organizasse o mundo dele, conseguiria de alguma forma ajudá-lo a coordenar as ideias. Ajudou um pouco, então eu entendo você, embora jamais suspeitasse de que escrevesse bem além da imensidão do que eu já imaginava.
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