Deadline
* Por Marcos Alves
Diante do computador sou
instado a registrar pensamentos que se sucedem, mas ...em vão. Difícil demais
captar a essência daquilo que penso e sinto nesse momento, apenas me lembro de
como foi pesada a volta ao trabalho depois de um fim de semana de folga.
Estava em paz no meu canto e
de repente caio de novo dentro do furacão. Uma coisa maluca de gente gritando:
“Liga a câmera, porra! Faltam 2 minutos!”. “Cadê a cabeça da matéria”, “Com
vinheta ou sem vinheta?”. Perguntas com e sem respostas, papéis e botões, gente
correndo no corredor. Minutos tensos que precedem cada escalada.
Acabou e fui pra casa.
Deitei a cabeça no encosto do assento e, cansado, queria mesmo era estar numa
casinha branca perto do rio onde pudesse descer e pegar uma varinha pra pescar
uns lambaris. Apreciar a vista da represa cortada por um rastro amarelo-dourado
deixado pelo sol no espelho d’água. Cheiro de cocô de vaca e isca espetada no
anzol. Chego em casa, converso um pouco, vejo TV, como e durmo bem.
Sou desperto pelo barulho de
uma motoserra que entra pelos ouvidos como uma buzina. A senha do cartão acaba
de chegar por um envelope colocado debaixo da porta. A motoserra insiste atrás
de mim e o zunido é irritante. Ao fundo ouço os carros, ônibus caminhões,
trens, aviões, motos e tudo o mais que anda e faz barulho nesse mundo. Não
liguei o som porque queria um pouco de silêncio, vejam. Saio para o trabalho e encaro de novo aquele
morrinho, uma subidinha chata, as pernas doendo, até o ponto de ônibus.
No caminho vejo os outdoors
com as ofertas de dinheiro fácil (?), homens e mulheres sorrindo, cãezinhos e
outras criaturas se oferecendo. Na rua, o povo anda com passo apressado, homens
e mulheres ‘correndo atrás’ como se diz. Quando estou contrariado e preciso
trabalhar procuro criar expectativas diferentes para não entrar numa de fazer a
coisa por fazer – que também considero perda de tempo. Penso na possibilidade,
por exemplo, de aparecer um bom assunto para explorar, de forma que no final do
dia me depare com o texto surpreendente de um estagiário ou repórter em início
de carreira. Mas é preciso paciência com o repertório dos meninos e a
precariedade dos recursos.
É aí que a gente brocha e
pensa em brincar de outra coisa. Estou de novo em casa, o telefone toca e não
quero atender. Toca de novo e quando atendo tem mais problema para resolver.
Decido uma coisa: continuar com o projeto de um dia abrir um restaurante,
alugar um quiosque na praia, fazer uma viagem de 1 ano, enfim, sair dessa lama.
Uma chuva cai de repente, e
me dá o duplo prazer de ficar livre, ao mesmo tempo, do barulho enjoado da
motoserra e do zum zum dos carros. Ligo o som, fecho a janela e o barulho
desaparece. Agora, só a música e o barulhinho do teclado preenchem o vazio.
Neste momento escuto que “Ninguém faz idéia de quem vem lá. A bola da vez, os
tais que traficam bebês...” – é Lenine, pernambucano que sabe das coisas. O
astral melhora com o cheiro que vem da cozinha. Há quem diga que a vida é para
ser vivida aos bocados. Um dia de cada vez.
* Marcos Alves é
jornalista.
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