Questão de autonomia
* Por Daniel Santos
Um
pobre diabo veio me falar de urgências, pediu-me pressa e, de minuto em minuto,
consultava o relógio, a ver se já eram horas, se os prazos finavam-se, se ainda
havia tempo para eu seguir com os demais.
Argumentei
que dispunha em minha própria casa de confortos que me satisfaziam o
suficiente; daí, a inutilidade de tanto sobressalto e ansiedade, mas ele
insistia na necessidade da incessante prontidão.
Mostrei-lhe
o pão que me aguardava sobre a mesa do café, a água morna jorrando do chuveiro,
o broto de violeta nascendo no vasinho, um novo livro à espera de leitura. O
tal, no entanto, não se convencia.
Aborreceu-se,
transfigurou-se de fúria, porque não lhe cedia meus nervos nem meus desejos.
Vaguei pela casa como quem decide o próprio ritmo e, antes do desjejum, sentei
na varanda para saudar a aurora.
Quando
dei por mim, ele se fora. A porta bateu com estrépito e o pobre diabo
afastava-se apressadíssimo para o mundo e seus comércios, enquanto eu
contabilizava secreta vitória. Sem orgulho, mas pleno.
* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e
redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de
São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou
"A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e
"Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o
romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para
obras em fase de conclusão, em 2001.
Isso é que é ter opinião e saber o que quer.
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