Entre o circo dos horrores e o cemitério dos zumbys
* Por Antonio de Campos
O circo chegara à noite. Mais precisamente na mais elevada madrugada. Ninguém testemunhara quando havia pousado naquele terreno baldio defronte do cemitério da interiorana cidade de porte médio.
A circunferência do
circo não era muito dilatada. Não se afastava em demasia de seu centro. Por
suas lonas, as roupas que trajava, podia-se perceber os trinques em que andava.
O que mais chamava a atenção dos habitantes do lugar, não era seu tamanho diminuto, nem seu aspecto externo de saúde física, nem muito menos o mistério de seu aparecimento a partir do absoluto vazio, mas o seu nome bizarro: Circo dos Horrores e a chamada para uma única apresentação que aconteceria mais tarde, com o surrealista título de Meia-Noite Profunda da Alma Perdida.
Diante do complexo de bizarrices, as pessoas, amedrontadas, se acautelaram e preferiram ficar no conforto de suas casas, nos bares, nas praças, etc.
Nem por isso a apresentação do circo, já se adentrando à madrugada depois de passado o primeiro minuto após as doze badaladas, foi um fracasso.
As pessoas normais não estavam lá para atrapalhar a terrível função.
Apenas portadores da anomalia da curiosidade, sádicos e alguns paranormais.
Logo depois da hora marcada, todos os zumbys que o cemitério guardava sonhando perversidades,
deixaram suas covas, seus aposentos de terra, e atravessando a rua que separava o cemitério do circo, para lá se dirigiram.
Os números eram poucos, mas prolongados ao máximo no frisson e portadores duma qualidade de encher os olhos e as órbitas, por serem executados por artistas de nível internacional.
Um verdadeiro pequeno Cirque du Soleil macabro.
Os malabaristas faziam exibições com facas afiadíssimas e pontiagudas, juntamente com machados e foices que deixavam cravados em seus corpos sangrantes até a exaustão.
Os palhaços não arrancavam risos à plateia, surrupiavam, lançando líquidos corrosivos uns sobre os outros,
desbotando a forte pintura colorida de suas faces, causando queimaduras em seus rostos e os cegando sob gritos lancinantes.
Sadicamente preparado, sob o trapézio não havia rede, aqueles que se estatelassem ao chão, ali mesmo ficavam nivelados, como todos que tentaram atravessar a ponte duma corda só, com pulmões e tórax perfurados pelas costelas, os crânios esfacelados e a massa cefálica exposta em seus últimos pensamentos, talvez pedindo perdão a Satã por terem sido menos sádicos do que o livre arbítrio lhes permitira.
O atirador de facas, à semelhança dos sacerdotes astecas, as lançava para acertar propositadamente no meio do coração do auxiliar, salpicando sangue para todos os lados à medida que a roda girava.
O globo da morte, sem nenhum eufemismo, era realmente da morte: desobedecia-se a lei da gravidade
para que as motos despencassem duma altura superior do que o topo da macieira que deixou cair seu rubro e bíblico fruto, inspirando a física e fleumática inteligência britânica de Sir Isaac Newton.
O mágico, da cartola não puxava alienadas pombas da Paz, nem albinos e babacas coelhinhos da Páscoa,
lá de dentro arrastava bombas & sinalizadores, jogados em direção ao respeitável público, literalmente esbagaçado pelo riso.
Depois do número de magia negra, sem a chateação nazistóide do politicamente correto, seguia-se a apoteose, que, superando os estreitos limites dos labirintos da palavra, nada tinha a ver com cerimônia de divinização, mas da cumeeira do espetáculo: como no Coliseu, circo mambembe metido a besta,
leões, tigres, panteras & leopardos eram, ao som de Thriller, soltos em cima dos zumbys, que se divertiam até onde seu saudável sadomasoquismo permitia, para os estraçalhar como fazia Todo-Duro com seus figadais inimigos de boxe, que mais figadais ficavam quando lhes comia o fígado, acertando-o com um golpe de mestre.
Finda a apoteose, os mortos circenses encontrados entre os curiosos, sádicos e paranormais foram levados pelos zumbys para o cemitério, do outro lado da rua, onde se transformariam em neozumbys.
O show não pode nem deve parar. Caso contrário o mundo pararia, segundo a profecia do profeta baiano Raulzias Seixas, para infelicidade & falência do sistema.
Esta fabulinha destina-se tão-somente a ilustrar a situação da Europa hoje, diante da debacle de sua economia e dos estertores da Igreja, atarantada em meio a um mundo em que o capitalismo desgastado e a fé sem conteúdo não condizem com o Sonho duma realidade mais digna e menos farsesca.
Neste momento, o Circo dos Horrores está erguido em Roma, quiçá em alguma ruela do Vaticano. Não se sabe ao certo. Provavelmente na fronteira entre o Vaticano e a Itália. O melhor lugar para se estar no momento.
Se tal não ocorresse, não faria sentido o comediante Beppe Grillo, líder do Movimento Cinco Estrelas, um partido com a qualidade dos melhores hotéis, algo semelhante à Rede, da Marina, em que se caindo é peixe,
acepipe digno da culinária dos melhores hotéis cinco estrelas, onde comediantes & bufões se encontram depois de atuarem ao vivo em nossa Divina Comédia eivada de fastio, ter dito que Bersani, terceiro lugar nas eleições parlamentares na Itália (realizadas nos dias 24 e 25 do corrente mês), da coalizão de centro-esquerda, “é um morto que fala.”
Morto que fala é zumby! Representante de zumbys.
E quem pode garantir que Grillo não seja um morto que ri, um sorridente zumby?
Para não ficar de fora do hotel de cinco estrelas, Peer Steinbruck, líder do principal partido de oposição da Alemanha de Merkel, porque não dispunha de leões, tigres, panteras & leopardos, soltou os cachorros em cima do bufão Berlusconi e do comediante Grillo, chamando-os de “palhaços”.
“Morar” na Comunidade dá nisso. Pode-se ser chamado de palhaço pelo dono do “Circo” e ter de achar graça porque a palhaçada política & civil tornou-se uma doença pandêmica & planetária.
Pelo visto, para que se dispute o cargo máximo na Itália, faz-se necessário ser palhaço. Ainda bem que não chegamos, por enquanto, nesse nível de humor de oficina.
Mas Tiririca, para exibir à Comunidade Internacional que não somos subdesenvolvidos na alegria, bem que poderia disputar a presidência da república nas próximas eleições.
Se depender de meu voto, já está eleito.
Trata-se dum palhaço honesto, que como tal se reconhece! Não aparenta falsa seriedade.
É sério sendo palhaço!
A deduzir-se de outra declaração de Steinbruck sobre Il Grande Buffone, a diferença entre este e Grillo é o nível de testosterona particularmente alto do primeiro, o que leva a crer ser esta a razão de Berlusconi conseguir estuprar incansavelmente milhões de italianos nos anos em que foi primeiro-ministro.
Já Bersani e Grillo podem resolver a questão sexo-econômica italiana, européia por derivação, global por extensão, com Viagra ou Forteviron, o viagra do proletariado.
Preocupação verdadeira e concreta é a possibilidade não remota de o capitalismo da Europa não conseguir resolver suas contradições e obviamente não as vai resolver, vai apenas as camuflar, pois ainda não chegou o Dia D & a Hora H das medidas econômicas da Nova Economia serem admitidas como porta única de salvação, acarretando a possibilidade de o Circo dos Horrores atravessar o Atlântico, em aviões, como já atravessou há meio século em caravelas, para diversos portos de destino no Cemitério dos Zumbys,
que aqui temos sempre à sua disposição, e seus donos nos imporem A Terceira Colonização, física como a Primeira, antes que a Segunda, tecnológica, em curso, haja sequer chegado ao fundo do poço de seu saque.
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Escritor
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