A
cigana
* Por Edir Araujo
Certo
dia quando eu andava pelo centro da capital paulista, percorrendo as lojas, à
procura de não sei o quê, de repente uma cigana pediu a minha mão. Lembro que
eu, resignado com os infortúnios da minha vida, em nada conseguia descortinar a
alegria. Só sei que eu estava apressado, e preocupado com algumas coisas. O
natal estava bem próximo e era visível o espírito natalino estampado no rosto
das pessoas. Lojas cheias, crianças correndo e cantando, sequiosas por
presentes. Papais Noéis em frente as lojas. Cantigas natalinas, etc. Mas nada
me comprazia e a cigana, insinuante, estendia sua mão com a palma virada pra
cima, olhando fixamente para mim, num convite mudo. Apesar de cético, fui em
sua direção. Era jovem e bela. O que me deteve foram os seus olhos, grandes e
vívidos, de um olhar intenso, penetrante e provocador. Aproximei-me e fitei-a
longamente, atraído por suas feições sérias, sisudas, muito embora um sorriso
tímido se desenhasse no canto dos lábios, formando duas covinhas em suas faces
rosadas. Curioso é que aquele rosto, naquele momento parecia-me tão singular, e
marcante. O nariz afilado, bem feito, parecia ter sido lapidado pelas mãos de
um escultor. Era lindo! Os lábios, carnudos, detiveram a minha atenção. Eram
convidativos, irresistíveis. Quê beijo ardoroso e lascivo! - pensei.
Entre
confuso e como que hipnotizado, eu parecia uma criança esgazeada perdida numa
loja de brinquedos. Seu semblante era tão peculiar e os olhos, muito
expressivos. Naquela excitação mental, seu rosto parecia-me quase angelical, e
ao mesmo tempo suscitava-me algo de sensual, erótico. E, não obstante,
misteriosos... numa silenciosa provocação.
Num
segundo, imaginei-a sorrindo. Noutro imaginei-a nua. Em trajes de eva,
incitando-me a libido. Quê pele linda! Trigueira. Os cabelos imaginei-os
negros, já que não podia vê-los sob o toucado, num turbante bem feito, mas pelo
volume notava-se que eram longos. Impressionado, deixei que ela tomasse a minha
mão. Não pude definir que perfume usava, mas era estranho e me excitava. Concentrou-se
nas linhas da minha mão e disse um bocado de coisas enquanto e me detinha em
observá-la, encantado. Ciente de sua tradição, cordialmente dei-lhe umas
moedas, que colocou entre os seios fartos, exuberantes, contrastando com a
sobriedade do vestido branco e longo.
-Quer
que eu continue? - Ela perguntou-me e eu assenti com a cabeça. Sua voz
melodiosa parecia me zunir nos ouvidos. Até sua voz me excitava. E o toque
suave de suas mãos sobre a minha, causava-me rubores, em doces excitações. Não
sei o que acontecia comigo. Por que eu me achava tão arrebatado? Estaria tão
carente? Carência afetiva? Quê doce enleio! Eu podia sentir meu membro rijo,
pulsando, túrgido... fitando suas mãos espirituais, de dedos longos e unhas
pintadas de violeta.
- Desculpa, mas você ainda não me disse o que eu
gostaria de saber - Falei, interrompendo a sua leitura. Gelei quando, surpresa,
me encarou, prestando atenção em mim.
- O que você quer saber? - Perguntou ela.
- Você tem que descobrir... - Falei, intrépido.
Então voltou a atenção para minha mão e falou
depois, sem hesitação:
- Você vai morrer daqui a uma semana.
Pego de surpresa, estremeci. - Tem certeza? -
Perguntei, duvidoso.
Lógico que não acreditei. Penso que talvez quisesse
apenas me assustar, embora eu já estivesse assustado desde o momento que pousei
os olhos em cima dela. Tamanho era o fascínio que exercia sobre mim. E mesmo
que fosse verdade, isso já não me importava, tão abatido eu estava,
espiritualmente. Confesso que ainda não era o que eu gostaria de saber. E disse
a ela:
- Curioso, eu queria saber quando finalmente vou
viver e você me diz quando eu vou morrer.
Então aqueles olhos expressivos fixaram os meus, num
olhar profundo como que se me trespassasse a alma. E quando entreabria os
lábios para dizer alguma coisa, fui tomado de um impulso incontrolável. Colei
meus lábios aos teus, impetuosamente, calando-a, antes que pudesse dizer alguma
coisa. Os moralistas que me perdoem, mas não pude me conter, foi mais forte que
eu. Num segundo, como um devasso, saboreei teus lábios cobiçosos, num beijo
voraz... enquanto meu membro fremia de desejo.
Surpresa e tomada de susto, repeliu-me com braveza.
Eu estava como que enlevado, excitadíssimo. Apesar de sua aparente ingenuidade,
de repente ela se deu conta do que se passava comigo, dirigindo seus olhos na
altura da minha genitália. E pôde ver o quanto eu a desejava. Até hoje não sei
o que aconteceu comigo. Nunca fui tão atrevido e impetuoso. Acho que a cigana
me enfeitiçou. Só sei que, aproveitando o seu embaraço, falei com ousadia:
- Já que vou morrer ainda tão moço, posso fazer meu
último pedido, não posso?
Ela afastou-se um pouco, olhando-me com estranheza e
respondeu, colocando a mão sobre o decote, espalmando aqueles seios mais lindos
que já vi, imaginando seus mamilos intumescidos.
- A mim? - Eu não disse nada, meu estado de
espírito, aquele jogo erótico, o ardor que ela me despertava, a libido que me
carcomia as entranhas, enfim... dispensavam as palavras. Apenas percorri com os
olhos teu corpo, de cima à baixo e abaixei a cabeça olhando para o volume
embaraçoso entre minhas pernas, acompanhado pelos seus belos olhos.
Para minha surpresa ela agora sorriu. Eu delirei,
como se antevisse o orgasmo, enrubescido.
- Quero te amar, feiticeira. - Falei, decidido.
- De repente ela saiu correndo e perdeu-se entre a
multidão. Procurei-a todos os dias seguintes e nunca mais a vi. Até hoje ela é
o fogo que arde em meus sonhos revoltos e delirantes.
A cigana deixou-me profundas impressões. Eu não
morri, como ela havia predito. Mas queria que estivesse certa. Antes morrer que
ser perturbado por sua figura vultosa à frente dos meus olhos dia após dia, sem
poder tocá-la. Nunca mais a esqueci.
("Contos Inusitados" pág. 09– 28 de
janeiro de 1983)
*
Edir Araujo Autor dos livros A Passagem dos Cometas, Gritos e Gemidos, Amante
das Trevas (em revisão), Fulana (em construção) e uma grande variedade de
poemas, crônicas, contos e resenhas.
Luxúria saindo por todos os poros.
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