quarta-feira, 6 de março de 2013


A cigana

* Por Edir Araujo

Certo dia quando eu andava pelo centro da capital paulista, percorrendo as lojas, à procura de não sei o quê, de repente uma cigana pediu a minha mão. Lembro que eu, resignado com os infortúnios da minha vida, em nada conseguia descortinar a alegria. Só sei que eu estava apressado, e preocupado com algumas coisas. O natal estava bem próximo e era visível o espírito natalino estampado no rosto das pessoas. Lojas cheias, crianças correndo e cantando, sequiosas por presentes. Papais Noéis em frente as lojas. Cantigas natalinas, etc. Mas nada me comprazia e a cigana, insinuante, estendia sua mão com a palma virada pra cima, olhando fixamente para mim, num convite mudo. Apesar de cético, fui em sua direção. Era jovem e bela. O que me deteve foram os seus olhos, grandes e vívidos, de um olhar intenso, penetrante e provocador. Aproximei-me e fitei-a longamente, atraído por suas feições sérias, sisudas, muito embora um sorriso tímido se desenhasse no canto dos lábios, formando duas covinhas em suas faces rosadas. Curioso é que aquele rosto, naquele momento parecia-me tão singular, e marcante. O nariz afilado, bem feito, parecia ter sido lapidado pelas mãos de um escultor. Era lindo! Os lábios, carnudos, detiveram a minha atenção. Eram convidativos, irresistíveis. Quê beijo ardoroso e lascivo! - pensei.

Entre confuso e como que hipnotizado, eu parecia uma criança esgazeada perdida numa loja de brinquedos. Seu semblante era tão peculiar e os olhos, muito expressivos. Naquela excitação mental, seu rosto parecia-me quase angelical, e ao mesmo tempo suscitava-me algo de sensual, erótico. E, não obstante, misteriosos... numa silenciosa provocação.

Num segundo, imaginei-a sorrindo. Noutro imaginei-a nua. Em trajes de eva, incitando-me a libido. Quê pele linda! Trigueira. Os cabelos imaginei-os negros, já que não podia vê-los sob o toucado, num turbante bem feito, mas pelo volume notava-se que eram longos. Impressionado, deixei que ela tomasse a minha mão. Não pude definir que perfume usava, mas era estranho e me excitava. Concentrou-se nas linhas da minha mão e disse um bocado de coisas enquanto e me detinha em observá-la, encantado. Ciente de sua tradição, cordialmente dei-lhe umas moedas, que colocou entre os seios fartos, exuberantes, contrastando com a sobriedade do vestido branco e longo.

-Quer que eu continue? - Ela perguntou-me e eu assenti com a cabeça. Sua voz melodiosa parecia me zunir nos ouvidos. Até sua voz me excitava. E o toque suave de suas mãos sobre a minha, causava-me rubores, em doces excitações. Não sei o que acontecia comigo. Por que eu me achava tão arrebatado? Estaria tão carente? Carência afetiva? Quê doce enleio! Eu podia sentir meu membro rijo, pulsando, túrgido... fitando suas mãos espirituais, de dedos longos e unhas pintadas de violeta.
- Desculpa, mas você ainda não me disse o que eu gostaria de saber - Falei, interrompendo a sua leitura. Gelei quando, surpresa, me encarou, prestando atenção em mim.
- O que você quer saber? - Perguntou ela.
- Você tem que descobrir... - Falei, intrépido.

Então voltou a atenção para minha mão e falou depois, sem hesitação:
- Você vai morrer daqui a uma semana.

Pego de surpresa, estremeci. - Tem certeza? - Perguntei, duvidoso.

Lógico que não acreditei. Penso que talvez quisesse apenas me assustar, embora eu já estivesse assustado desde o momento que pousei os olhos em cima dela. Tamanho era o fascínio que exercia sobre mim. E mesmo que fosse verdade, isso já não me importava, tão abatido eu estava, espiritualmente. Confesso que ainda não era o que eu gostaria de saber. E disse a ela:
- Curioso, eu queria saber quando finalmente vou viver e você me diz quando eu vou morrer.

Então aqueles olhos expressivos fixaram os meus, num olhar profundo como que se me trespassasse a alma. E quando entreabria os lábios para dizer alguma coisa, fui tomado de um impulso incontrolável. Colei meus lábios aos teus, impetuosamente, calando-a, antes que pudesse dizer alguma coisa. Os moralistas que me perdoem, mas não pude me conter, foi mais forte que eu. Num segundo, como um devasso, saboreei teus lábios cobiçosos, num beijo voraz... enquanto meu membro fremia de desejo.

Surpresa e tomada de susto, repeliu-me com braveza. Eu estava como que enlevado, excitadíssimo. Apesar de sua aparente ingenuidade, de repente ela se deu conta do que se passava comigo, dirigindo seus olhos na altura da minha genitália. E pôde ver o quanto eu a desejava. Até hoje não sei o que aconteceu comigo. Nunca fui tão atrevido e impetuoso. Acho que a cigana me enfeitiçou. Só sei que, aproveitando o seu embaraço, falei com ousadia:
- Já que vou morrer ainda tão moço, posso fazer meu último pedido, não posso?

Ela afastou-se um pouco, olhando-me com estranheza e respondeu, colocando a mão sobre o decote, espalmando aqueles seios mais lindos que já vi, imaginando seus mamilos intumescidos.
- A mim? - Eu não disse nada, meu estado de espírito, aquele jogo erótico, o ardor que ela me despertava, a libido que me carcomia as entranhas, enfim... dispensavam as palavras. Apenas percorri com os olhos teu corpo, de cima à baixo e abaixei a cabeça olhando para o volume embaraçoso entre minhas pernas, acompanhado pelos seus belos olhos.

Para minha surpresa ela agora sorriu. Eu delirei, como se antevisse o orgasmo, enrubescido.
- Quero te amar, feiticeira. - Falei, decidido.
- De repente ela saiu correndo e perdeu-se entre a multidão. Procurei-a todos os dias seguintes e nunca mais a vi. Até hoje ela é o fogo que arde em meus sonhos revoltos e delirantes.

A cigana deixou-me profundas impressões. Eu não morri, como ela havia predito. Mas queria que estivesse certa. Antes morrer que ser perturbado por sua figura vultosa à frente dos meus olhos dia após dia, sem poder tocá-la. Nunca mais a esqueci.

("Contos Inusitados" pág. 09– 28 de janeiro de 1983)

* Edir Araujo Autor dos livros A Passagem dos Cometas, Gritos e Gemidos, Amante das Trevas (em revisão), Fulana (em construção) e uma grande variedade de poemas, crônicas, contos e resenhas.

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