* Por Sayonara Lino
Acabei de chegar da rua, tomei café com alguns amigos, até que foi bom. Você ainda está aí do outro lado, parece que mal se moveu. A impressão que tenho é que consegue ficar na mesma posição durante horas.
A cabeça sempre baixa, um cigarro atrás do outro, o olhar distante. Pode ser que seja simplesmente uma pessoa pacata, mas cá para nós, arrisco que não é apenas por conta de seu temperamento.
A mulher sempre ao seu lado, aconselhando, oferecendo apoio. Ela parece bem ativa, outro dia escutei até alguns gritos dela quando falava na sacada com aquele telefone sem fio. Parecia contrariada, pedia providências urgentes para algo que minha imaginação não alcança. O conteúdo das conversas alheias não me interessa, apenas observo.
Daqui dá para ver a sala pouco mobiliada, tudo muito aconchegante. Aquele abajur bem no cantinho, em cima da mesa muito me agrada. Eu gostaria de morar uns tempos aí, já pensou se topassem uma troca de casas por alguns meses? Seria uma boa experiência. Pode até quebrar a aparente monotonia de nossas vidas.
Tão raro hoje em dia ver um casal assim, aparentemente tão unido. E mais difícil ainda essa contemplação periódica que acontece ali, naquela sacada.
Gosto de vê-los porque sinto que ainda há quem viva sem pressa, ou de uma forma menos alucinada. Também me agrada a idéia de que ali existe cumplicidade, profundidade, valores que muitos consideram ultrapassados na existência líquida que os tempos modernos insistem em nos impor.
Toda vez que escrevo sobre algo que me captura, me sinto ultrapassada e fora de contexto. É porque sempre está relacionado a comportamentos que prezo e que parecem cada vez mais distantes. De qualquer forma, os vizinhos do outro lado estão ali, acenando com o velho e bom hábito da parceria, da cumplicidade.
• Jornalista, fotógrafa e colunista do Literário
Que grande inveja Sayonara,dessa paz, dessa maneira de ver o mundo, poeticamente. Precisamos tanto disso.Ando sensível. Achei linda sua discrição ao descrever a conversa dela ao telefone sem fio na sacada. Muito civilizada, sem se ater ao conteúdo, apenas a forma.
ResponderExcluirDestaco:
"Gosto de vê-los porque sinto que ainda há quem viva sem pressa".
Foi muito bom ler suas reflexões. Amadurecidas, amadurecem-me, consolam-me.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMara, obrigada pela atenção e pelo delicado comentário. Interessante vc. dizer: "inveja dessa paz, dessa maneira de ver o mundo". Um amigo meu foi trabalhar em lugar distante de minha cidade e acabou de dizer que está muito feliz, vivendo de uma forma muito simples. Me deu uma vontade tão grande de estar lá com ele, e estou aqui, tentando encontrar essa paz e felicidade em um estilo de vida que me parece cada vez mais complexo. Tbm ando sensível, ainda mais do que já sou por natureza, tentando cavar uma tranquilidade que na sociedade atual me parece cada vez mais utópica. Vou tentando construí-la assim, internamente, para que a carregue sempre comigo. Bjos!
ResponderExcluir