* Por Paulo Valença
Madrugada.
A praia deserta, com o restaurante próximo, de mesas cheias fora do ambiente do salão com mesas também ocupadas por casais – na maioria jovem – e o tablado aos fundos, com o conjunto tocando música animada, sucesso do momento. O zunzum característico de vozes; tilintar de talheres; arrastar de cadeiras; risadas de deboche. E, na mesa à entrada desse ambiente, o adolescente bebe sozinho. Desejando se esquecer, fugir da voz grossa, ameaçadora do Tigrão:
- Se farrapar amarelinho já sabe...
O pacotinho. O sorriso irônico do sujeito grande, forte, mulato e, mais uma vez a voz:
- Vai lá, amarelinho. Tás avisado.
Sim, o cara alertava, prevenindo-o e ele repassava a mercadoria ao Joel, do bar Recanto dos amigos, em Beberibe, e que por sua vez, a distribuía com os freqüentadores do seu comércio. Assim há quantos meses? Contudo, há um mês que Joel não lhe paga a mercadoria...
- Joel tás me ferrando. Tenho de prestar conta com o chefe.
O outro com a mão pesada batia-lhe no ombro e sorrindo, tentava lhe aquietar o espírito:
- Fica frio, Leu. Segunda vindoura, a gente acerta tudo.
- Tudo enrolada!
Conclui, prático, realista, conhecedor do mundo no qual faz parte e... Como chegar até o Tigrão e lhe dizer que Joel está sem cumprir com a palavra de saldar o débito dos envelopes? Como?...
O suor banha-lhe a testa. A mão que segura o copo treme. E os olhos estudam o ambiente, num receio. Prevenção.
- Tenho de sair dessa!
A voz exprimindo a angústia que o domina no temor ao inesperado, mas, necessita se reentregar à vida, enfrentando-a! Então, acena ao garçom, que se avizinha:
- Quanto foi o gasto, moreno?
Paga a despesa, se ergue e perscrutando os rostos dos que estão nas mesas circunvizinhas, cruza a porta larga do bar.
A sua moto está ali. Agora é partir. Falará com o Tigrão, lhe pedirá que espere mais um pouco, entenda-o... Então, ouve o escape da moto se avizinhando e mal percebe o que ocorre, é alvejado pelo motoqueiro atrás do outro que comanda essa moto.
Os seis disparos lhe atingem a cabeça e o peito. Caído, arquejando, logo se aquieta. Enquanto com rapidez a moto assassina se perde na avenida lateral.
Ante os disparos os freqüentadores do salão saem, atraídos pela curiosidade de presenciar o que ocorre.
- Quanta violência!
- Pois é, querida. Ainda um adolescente... Mas, vamos voltar para a mesa, como se nada tivéssemos visto. É o mais prudente.
Então lado a lado o homem “coroa” e a mulher jovem, morena e bonita retrocedem ao salão seguidos pelo pesado silêncio de outros casais que também perplexos testemunham o que acaba de ocorrer.
Adiante, como se nada houvesse acontecido, uma luz desponta sobre a água ainda enegrecida pelas trevas da madrugada, tornando-a ao verde-azul natural de sempre.
Sim, em tudo há uma seqüência, como se fosse um grande desafio à mente humana.
A luz aos poucos se torna mais cintilante e, poderosa, num imenso abraço aconchega o novo dia.
* Paulo Valença é autor paraibano, com livros de ficção premiados nacionalmente; Verbete do Dicionário Biobibliográfico de Escritores Contemporâneos; Verbete da Enciclopédia de Literatura Contemporânea; Membro de várias instituições literárias; Presente em diversos sites; Reside em Recife/PE.
E assim, a vida segue seu curso. Banalizados
ResponderExcluire cruéis com a sorte alheia enxergamos somente
nossos umbigos.
Abração Paulo.