Por Fernando Yanmar Narciso
Não importa o quanto os videogames se aperfeiçoem, haverá sempre alguém jogando Pong ou Pac-man online. Por mais que inventem, no fundo não é necessário fazer muito esforço para entreter as pessoas. Desenhe algumas imagens na barra do caderno e vire-as bem rápido e já tem um filme pra ver pela tarde toda. Eis o conceito por trás dos primórdios do cinema, e foi exatamente esse conceito que o diretor francês Michel Hazanavicius resolveu homenagear num dos tiros no escuro mais acertados da história moderna do cinema, o filme O Artista.
Noutro típico caso de melhor filme do ano que quase ninguém viu, imaginem se, em plena época do cinema 3D, já abrindo caminho para o 4D, e das computações gráficas mirabolantes embebidas no ego super inflado de milhares de artistas, alguém teria paciência para assistir um filme em preto-e-branco que não tivesse nada a ver com Sin City, e que fosse ainda por cima mudo? Pois, por mais estranho que tenha parecido, havia sim, um bocado de cinéfilos loucos o bastante não para apenas querer vê-lo como premiá-lo com 5 Oscars e mais um metrequilhão de prêmios mundo afora.
A ingenuidade era o principal ingrediente dos filmes mudos, disso George Valentin (Jean Dujardin), o maior astro da década de 20 e Jack, seu atlético e fiel cachorrinho sabiam muito bem. A linguagem corporal dos atores dizia exatamente quem eram os personagens, isso sem dizer uma só palavra- tirando os cartazes com falas que interrompiam a ação. Na noite de estréia de seu mais novo filme, em meio a um enxame de fãs, o ator acaba conhecendo a jovem aspirante a atriz Peppy Miller (Berenice Bejo, um tipo de “avó” da Sofia Loren). Esse encontro repentino logo estará em todas as bocas de Los Angeles, pois todos sabem que George é casado, e os dois agiram diante das câmeras fotográficas como se fossem velhos amigos.
George e Peppy ainda se encontrariam muitas vezes em suas carreiras. Após uma tarde trabalhando de figurante num filme, Peppy acaba se encontrando com George no camarim, onde ele tem uma brilhante idéia para alavancar a carreira da nova amiga: Desenha uma pinta sobre o lábio dela, como se fosse Da Vinci finalizando o sorriso de Monalisa. Mal pode imaginar o ator que a pinta será responsável tanto pelo estrelato de Miller como pela ruína dele.
Estamos em 1927, ano em que o primeiro filme falado, The Jazz Singer, seria lançado, tornando-se o maior marco de Hollywood até então. O empresário de Valentin (John Goodman) decide deixar de fazer filmes mudos e transformar Miller em sua maior estrela dos talkies, filmes falados. Valentin, a soberba em pessoa, acha a idéia de ouvir a voz dos atores uma afronta ao seu império e fica injuriado ao ver um cartaz de Miller na sala de seu produtor. Ele se demite da empresa, prometendo fazer o maior filme mudo de todos os tempos, também escalando Miller. Apostando todas as fichas que possui no filme megalomaníaco como produtor/diretor/roteirista e astro principal, o ator vê a estrela que criou se tornando o maior nome de Hollywood, enquanto seu filme mudo e sua carreira descem pelo ralo. A partir daí George Valentin decai de uma maneira tão assombrosa que até Edgar Allan Poe acabaria chorando... Após dar um tiro na cabeça do ator, é claro.
Admito que fui precipitado em meu primeiro julgamento desse filme, feito no calor da entrega do Oscar. Sabe aqueles filmes que não dá vontade de pausar pra ir ao banheiro? Surpreendentemente, este é um deles. O roteiro, apesar de glorificar a 1ª grande era de Hollywood, tenta a todo o momento ser o menos hollywoodiano possível. Desde o início somos induzidos a torcer pelo romance de Valentin e Miller, coisa que, até o final, não fica claro se começou ou se eles se tornaram apenas bons amigos, apesar de ela idolatrá-lo. Assim como não fica claro se o tão esperado retorno dele aos holofotes ao lado dela foi bem sucedido, apesar dos envolvidos terem se divertido muito.
Com a simplicidade e o ludismo ao seu favor, e atuações incríveis mesmo sem que uma voz seja ouvida, Hazanavicious criou uma sensacional homenagem aos homens que tornaram todo o lixo que vemos hoje na telona possível. Eeeeeeee... Corta!
*Designer e escritor. Site: HTTP://terradeexcluidos.blogspot.com.br
Um filme mudo que está dando o que falar, e um cultor de filmes que tem ganhado espaço com suas reflexões sobre o mundo cinematográfico. Fico contente, mesmo que fuja do assunto, pela oportunidade, Pedro, nosso querido editor, por ter colocado hoje no topo da edição o texto de Fernando. Sabe que há quem ache que eu escrevo os textos dele?
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