Malandramente
* Por
Clóvis Campêlo
Segundo
Renato Boca-de-Caçapa, o desaparecido filósofo do povo, o que move
o mundo é o sexo e não o dinheiro, como pensam alguns. Para se
chegar a ele, valem todos os artifícios. Admito que talvez ele tenha
razão. Talvez seja mesmo necessário reformularmos os nossos
conceitos e os nossos códigos de ética em função disso. Talvez a
mentira e a esperteza não sejam de todo más e se justifiquem por
aí. Sei lá!
Confesso, porém, que já não me causa calafrios pensar dessa maneira. Talvez, como disse o poeta em outras eras, estejamos mesmo jogando na lata do lixo o ponto de exclamação que acompanha todas as indignações. Afinal, no que ou em quem acreditarmos?
O mundo move-se e muda e nem sempre a lógica cartesiana acompanha essas mudanças. Malandramente, surgem novos mecanismos de raciocínio e de encaminhamento de ações e decisões que em outros momentos nos causariam urticária e espanto. A aceitação pela maioria desses novos valores obrigam os coroas, como eu, a repensarem a vida e as voltas redondas que a vida dá. Já não dependemos apenas da linha reta do pensamento convencional para justificar atos e decisões, sejam nas instâncias mais primárias ou nos patamares superiores, onde acreditávamos deveria prevalecer os nobres sentimentos ou as ações dignificantes da espécie humana. Nada disso. Os meios justificam-se por si próprios. E aí de quem não perceber ou se contrapor a isso.
A mim, não interessa mais nadar contra a
corrente, mesmo que seja só para se exercitar, como acreditava um
outro poeta. Isso exige um esforço demasiado e, em muitas das vezes,
inútil. Talvez valha mais a pena, experimentarmos a mudança pela
não-ação dos pacifistas, pelo olhar descritivo dos romances
realistas, pela vagarosidade insuficientemente transformadora da
nouvelle vague. Mudar pra que? Pra que lado, pra que rumo?
A
mensagem, hoje, embora continue no seu topo endereçada
unilateralmente e potentemente influenciadora, fragmenta-se também
muitas vezes em pequenas partículas que transgridem tanto no que se
refere a forma quanto ao conteúdo. Ou seja, viralizam nas redes
sociais e nas cabeças periféricas do homem urbano. Sua força
torna-se imensa e imune aos questionamentos fúteis que se baseiam na
moral, na ética e nas ideias de antigamente, mesmo que antigamente
tenha sido ontem.
Admito mesmo que talvez tenha me perdido
dentro de mim mesmo e que, com certeza, nunca mais chegarei ao éden
ou ao nirvana. Não me importo mais com isso, porém. Como dizia um
outro poeta, o novo sempre vem. Nem que seja a bordo do anteriormente
inaceitável.
Ainda bem?
Ainda bem?
Recife,
julho 2016
*
Poeta, jornalista e radialista.
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