Rebeldia que vale a pena
A
rebeldia (mesmo a com causa) é atitude geralmente mal interpretada e
raramente resulta em benefício para alguém. Rebelamo-nos, via de
regra, contra o que não deveríamos: contra normas de conduta
saudáveis e necessárias e contra imposições de disciplina e de
ordem. Todavia, o que realmente envenena os relacionamentos, e torna
o mundo perigoso e mau, passa batido e se avoluma, geração após
geração.
Esse
comportamento é mais comum na adolescência, quando nos julgamos
poderosos, invulneráveis, indestrutíveis e imortais, sem que,
claro, de fato, sejamos. Na minha época de juventude, o título de
uma famosa canção transformou-se em lema, em mantra, em palavra de
ordem para a minha geração: “não confie em ninguém com mais de
trinta anos”. Sequer é necessária maior análise para concluir
sobre sua estupidez e falta de sentido.
Naquela
época, pensávamos, até inconscientemente, que o passar dos anos
tornava as pessoas acomodadas, dóceis, desossadas e, sobretudo,
“caretas”. Ou seja, sem criatividade e nem originalidade. Sequer
passava pela nossa cabeça que não seríamos jovens para sempre e
que um dia seríamos iguaizinhos aos que então ridicularizávamos e
pretendíamos segregar.
Tínhamos,
claro, ideais grandiosos, que se resumiam, no entanto, a meros
discursos e a pequenos atos, meramente simbólicos, que em nada
contribuíam para mudar a hedionda realidade ao nosso redor (e que
hoje é ainda muito pior). Denominávamos o comportamento social
vigente de “sistema” e fazíamos de tudo para mostrar que
estávamos fora dele. Buscávamos marcar nosso território e afirmar
nossa identidade, sobretudo na aparência.
O
sistema exigia que, para sermos vistos como bons moços, tivéssemos
cabelos curtos, bem penteados e o rosto raspado? Investíamos com
tudo contra isso. Optávamos por uma aparência selvagem e
assustadora, só para contrariar os mais velhos. Deixávamos os
cabelos crescerem, fugíamos do banho como os gatos fazem,
cultivávamos longas e hirsutas barbas, nos trajávamos com desleixo
e desalinho e achávamos que, com isso, estávamos contribuindo, de
alguma maneira, para mudar o mundo. Não estávamos, claro.
O
sistema condenava as drogas (o que, sequer, seria necessário, já
que o comezinho bom-senso poderia nos indicar sua absoluta
inadequação, por uma série de razões)? Muitos, para manifestar
espírito de rebeldia, se drogaram. E fartamente. Vários dos nossos
ídolos de então morreram de overdose.
Milhões,
mundo afora, mergulharam de cabeça no inferno do vício, de onde
alguns jamais conseguiram sair, embora tentassem a todo o custo. Os
que puderam se livrar não escaparam de seqüelas, que ostentam até
hoje. Perceberam, apenas tardiamente, o mau passo que haviam dado. E
com isso desperdiçaram preciosos anos de vida, desperdício que
lamentaram (e lamentam), inutilmente, quando finalmente chegaram à
idade da razão.
O
sistema apregoava que o sexo deveria ser responsável e maduro,
lídima manifestação de amor? “Derrubemos essa ordem“, era a
nossa mentalidade de então. Sem que nos apercebêssemos, banalizamos
o que poderia (e deveria) ser sacralizado, reduzindo-o a um ato
mecânico, automático, quase obrigatório, de mera autoafirmação,
com o danoso subproduto, dessa estúpida manifestação de rebeldia,
de uma profusão de doenças venéreas e de gravidez indesejada. Ou
seja, de paternidade precoce e irresponsável. Isso era ser rebelde
há apenas 50 anos, na supostamente alegre geração dos “beatniks”
e dos “hippies”.
E
hoje, as coisas são diferentes? Nossos filhos e netos aprenderam
alguma coisa com nossos erros? Não! Definitivamente não! Com
algumas mudanças, aqui e ali, seguem cometendo os mesmíssimos erros
e, certamente, sofrerão idênticas conseqüências. Não é essa,
pois, a rebeldia que devemos assumir.
Temos
que nos rebelar, sim, e muito, e sempre, mas contra injustiças,
violência, corrupção, prepotência, exploração do homem pelo
homem e outras tantas mazelas. Mas em sentido prático e construtivo.
Precisamos agir, em vez de discursar. Cabe-nos apresentar
alternativas, e vivê-las, em vez de nos limitarmos a deblaterar ou a
agredir os nossos corpos.
Temos
que atuar, mesmo que essa atuação implique em riscos iminentes à
nossa integridade física e à nossa vida. Compete-nos, sobretudo,
impedir que sigam destruindo o Planeta, nosso único domicílio
cósmico, que pede socorro e agoniza, sem que a maioria sequer se dê
conta.
Mas
a maior das rebeldias é a de não aceitar nada menos do que a
felicidade, para nós e para os que amamos. Não, todavia, a de um
suposto paraíso após a morte, que ninguém tem certeza que sequer
exista e que milhões de pessoas nutrem irrestrita fé que sim. Por
isso, baseados em crença sem nenhuma comprovação, deixam voar o
único pássaro que têm nas mãos, na tentativa de agarrar uma
infinidade dos que estão voando.
Podemos
até crer nessa ventura eterna, num etéreo e imaginário paraíso,
em nebuloso futuro sem, contudo, abrir mão da possibilidade (diria
necessidade) de sermos felizes agora, no presente, já. Uma coisa não
exclui necessariamente a outra.
Essa
é a rebeldia que importa. Ou seja, a do não-conformismo, a da
valorização da vida e a do pleno gozo de tantas e sadias
satisfações que ela pode nos dar (de que abrimos mão para
apostarmos no negativo, na dor e na desgraça). Devemos não apenas
sonhar com a felicidade, não só lutar por ela, mas “exigi-la” a
cada instante, cada minuto, cada segundo (que pode, ademais, ser
nosso último) e não num futuro distante e em suposta condição
espiritual. Sejamos rebeldes, sim, mas inteligentes! É a única
rebeldia que vale a pena.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Você insiste e eu também. Sexo com amor é muito melhor, mas, quando o amor não é possível, o sexo poderá sê-lo. Não vejo vantagem alguma no celibato.
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