Telemarketing,
boa tarde!
* Por
Mara Narciso
Entre
as piores profissões do mundo, pelo mal que fazem aos trabalhadores,
o telemarketing ocupa o topo do ranking. Não só do outro lado da
linha bate um coração, como também sangra uma alma. Jovens em seu
primeiro emprego encontram ali a oportunidade de entrar no mercado de
trabalho. Com o segundo grau completo, conhecimentos de informática,
fazem a entrevista, e, aprovados, fazem um curto treinamento,
começando o trabalho e a penitência.
Terceirizados,
os que trabalham com telefonia celular são os mais torturados da
classe. Precisam vencer metas inatingíveis, conflitantes com seus
próprios princípios. Deles se exigem convencer que o cliente, mesmo
certo está errado, usando-se técnicas ensinadas pelos próprios
chefes, promotores de assédio moral. A empresa poderosa lhes paga o
salário, para vencer todas, mesmo as mais absurdas pendengas, em
detrimento do reclamante, a parte fraca, para a qual um real faz
diferença. O trabalhador passa seis horas por dia defendendo o
indefensável, repetindo o mesmo discurso hora após hora, recebendo
xingamentos de quem teve prejuízo, enquanto defende quem burla a
boas condutas do comércio. O cliente jamais tem razão.
Quando
o usuário sente-se lesado, precisa ser ressarcido do sumiço de
créditos, estorno da cobrança indevida, ou volta ao cumprimento do
contrato. Encerrar um plano é missão inatingível. Ao telefonar, dá
de cara com o atendente que atua como bucha de canhão, alguém na
linha de frente do campo de batalha. Para defender seu salário,
precisa penalizar o correto, convencendo-o de que a empresa agiu
certo. O permanente conflito compromete até mentes equilibradas. Em
pouco tempo o atendente passa a apresentar insônia, dores
osteomusculares, tiques nervosos, distúrbios digestivos e obesidade.
Engordam vários quilos por mês, e uns poucos emagrecem.
Não
é apenas a tensão que gera transtorno alimentar. Não é só o fato
de agir como Robin Hood às avessas, que faz engordar. É mais do que
isso. Na estratégia do domínio pela infantilização, o contato
entre chefes e chefiado favorece o adoecer, chegando até mesmo à
síndrome do pânico.
Nos
joguinhos de compensação, quando um atendente cumpre uma meta, seus
chefes oferecem um prêmio: doces e balas, especialmente de
chocolate. Tratam os funcionários como meninos ou animais
condicionados, premiando suas habilidades. São festejados como se
agrada crianças. E, com as mentes domesticadas por chefes e chefetes
daquela pirâmide organizacional opressora ficam dóceis. A
imbecilização do funcionário visa deixá-lo débil e manipulável,
sem resistência intelectual e espírito crítico, um mero joguete
dentro do sistema. Robotizados, caso errem, sofrem ameaças. Tempo
cronometrado no banheiro, ar-condicionado trincando, tudo é armado
para oprimir e enfraquecer.
Todos
se irritam quando o telemarketing arromba a porta e invade seu lar.
Há quem diga não estar interessado naquela oferta, mas, quando, ao
contrário, o usuário liga em busca de ajuda, diante das ingerências
e demoras além do razoável, perdem a compostura, pois tentam
negociar com uma parede. O atendente férreo de telemarketing é
firme como uma rocha por fora e trêmulo como geleia por dentro. O
lado fraco é o consumidor, mas, mais frágil é o operador de
telemarketing. Quem olhará por esses trabalhadores, uma juventude
sem ferramentas psíquicas adequadas para lidar com esse problema?
*
Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia
Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de
Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”
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