A
minha primeira árvore
* Por
Urda Alice Klueger
Na
primeira casa da minha infância havia, ao lado, um quadrado de grama
onde a minha mãe quarava roupa, e, no meio desse quadrado, a
primeira árvore importante da minha vida. Era um velho pé de
Pflaumen (acho que é assim que se escreve – penso que hoje as
Pflaumen estão sendo chamadas de ameixas, aquelas vermelhas, que dão
na época de Natal).
Aquele
pé de Pflaumen continha um universo inteirinho: na sua velhice, era
cheio de nodosidades, ocos e cascas esbranquiçadas meio soltas, e
nele eu podia encontrar tudo o que o universo da imaginação
continha. Até hoje eu não saberia dizer o tamanho que é o universo
da imaginação, mas sei que ele estava todo lá. Aquela velha árvore
foi o meu primeiro exercício para um dia vir a ser uma escritora.
No
seu tronco, eu encontrava tenebrosas cavernas onde, com certeza,
moravam anõezinhos para os quais eu imaginava as mais fantásticas
aventuras. Também fadinhas transparentes voavam por ali, eu tinha
certeza, e eram de realizar qualquer desejo que uma criança tivesse.
Eu via esses anõezinhos e essas fadinhas com a mesma nitidez com que
via as borboletas, as bichas-cabeludas e os outros insetos que por
ali andavam, e para cada um eu imaginava enredos e aventuras. Tinha
um cuidado especial com as bichas-cabeludas, nas quais sabia que não
deveria tocar, pois já, um dia, encostara numa delas, e doera
terrivelmente a queimadura que seus pelos tinham deixado na minha
pele. Mas elas eram lindas! Havia-as vermelhas, alaranjadas,
amarelas, verdes – que fantásticas que eram, com suas dezenas de
pezinhos e seus pequenos corpos que se movimentavam velozmente pelo
tronco daquela árvore encantada!
Por
ali, também, estavam as inimigas – é triste constatar que, já lá
ao três anos de idade, a gente descobre que sempre há algum tipo de
inimigo! As inimigas, no caso, eram as aranhas, que estendiam
magníficas teias perfeitamente tecidas aproveitando como apoio as
cascas do rugoso pé de Pflaumen, e nas manhãs daquela Primavera
onde eu estava descobrindo o mundo, aquelas teias acordavam
resplandecentes de orvalho, como verdadeiras joias tecidas de
miríades de diamantes luminosíssimos! A aranha ficava lá, bem no
meio daquela luminosidade toda, e eu ficava olhando, torcendo para
que ninguém quisesse chegar perto. Não tinha jeito, porém –
sempre alguém acabava atraído por toda aquela beleza que
resplandecia ao sol, e às vezes eu conseguia salvar o inseto
desavisado, puxando-o para fora da enganosa e grudenta teia com um
pauzinho. Às vezes, porém, não era possível. Então, horrorizada,
eu via a aranha vir andando devagar, com toda a calma, para saborear
o seu almoço. E olhem que às vezes era almoço grande, uma
bicha-cabeluda inteira para uma pequena aranha – então quando não
tinha o que fazer, eu fechava os olhos e corria me esconder para
chorar, escondida, pela sorte daquele bichinho que estava sendo
devorado.
Alguém
há de perguntar: por que é que eu não matava as aranhas? Sei muito
bem a resposta: porque não tinha coragem. Elas também eram vida e
também faziam parte do mundo mágico e encantado daquela minha
primeira árvore. Havia que tentar proteger os outros insetos, mas
também havia que respeitar as aranhas e as suas teias luminosas e
enganadoras.
Aquela
minha primeira árvore muito me ensinou sobre a vida e sobre a
imaginação. Mesmo agora, tantas décadas depois, quando as coisas
ficam complicadas, às vezes eu penso nela, e desejo ser muito
pequena, para voltar a ela e esconder-me numa das suas misteriosas
cavernas. Imaginando com força, ainda consigo.
Blumenau,
08 de Setembro de 2002.
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela
UFPR, autora de vinte e seis livros (o 26º lançado em 5 de maio de
2016), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e
“No tempo das tangerinas” (12 edições).
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