Morte e vida, Severino (A
loucura de um pequeno gigante)
* Por
Fábio de Lima
Eu não sei mais de nada. A
vida me iludiu. Ontem eu era poeta, hoje eu sou pateta. De
inteligência sei pouco. De amor sei menos. E com o pouco que sei,
aprender ficou difícil – viver nunca foi fácil. Um amigo certa
vez falou: feliz daquele que não sabe. Meu amigo se matou e eu só
soube a notícia. Roda o relógio, roda o mundo, roda a vida e eu
aqui olhando a pulga do leão.
Penso em escrever livro, mas a
caneta anda preguiçosa. Sonho em fazer filme, mas meus olhos estão
cansados. O problema está no rótulo. Os problemas estão nas letras
miúdas do manual de instrução. Podia até dar um tiro no peito
para justificar a dor. Podia correr para cansar mais rápido. Podia
enlouquecer para entender alguma coisa. Mas o real problema do
artista é a carteira de trabalho. ARTISTA não tem carteira – nem
salário ou horário.
Brasileiro quer ser ARTISTA,
mas ARTISTA não quer ser otário. Com a bunda de fora na capa de
revista toda mulher é ‘artista’. Com o G bem grande naquela
revista todo homem é ‘artista’. E o ARTISTA de verdade, sem
espaço nas revistas, brinca de jornalista, advogado, professor,
motorista, pintor – de parede – sacou?!
Saquei!
Era um 38 com 3 balas na
agulha.
Tudo começou às 3h00 da
madrugada. Sentei na sarjeta e acendi um cigarro. Saiu 1 garçom,
Saíram 2. Com o último, às 3h35, foram 9 garçons e 3 cigarros.
Brasa quente. Só faltava o gerente. Apaguei o cigarro.
Restaurante
fecha tarde. Naquela
hora já era cedo. Eu tinha medo – mas também fome.
Então gritei que era um
assalto. O gerente do restaurante pediu calma e disse que não tinha
mais que 800 reais no caixa. Eu, jovem ARTISTA, perguntei onde estava
o cofre. O gerente, pai de família, respondeu que não havia cofre.
Todo ARTISTA é persistente e chato. Perguntei se o gerente queria
morrer. Ele pediu calma de novo e disse que havia mais algum dinheiro
em cheques. Eu, ARTISTA, gritei para o gerente não se mexer ou
atiraria. O gerente, idealista, com as mãos suadas e o pavor no
rosto, afirmou que só iria abrir o caixa. Todo ARTISTA é
desconfiado. Gritei mais uma vez que iria atirar. O gerente, homem
decente, quis explicar, convencer e transformar.
Sem tempo para o gerente e
sem tempo para mim, ARTISTA, uma bala fez um grande barulho e depois
um total silêncio.
Eu, ARTISTA, virei capa de
jornal, editoria policial, com o pseudônimo MARGINAL, assim em
letras graúdas.
Severino da Silva
21 de agosto de 2006
Severino tinha apenas 22 anos
quando foi preso. Morreu, semana passada, de desgosto, segundo o
atestado de óbito. Quem assina? Eu, Fábio de Lima. Quem sou? Deus,
por algumas palavras e PREPOTENTE, pelo conjunto da obra. Mas
voltando ao tema, Severino, que não é Severina, morreu com 29 anos.
Era artista desde os 13. Sempre fez esculturas com palitos de
fósforos. Chegou a reconstituir, em miniatura, o próprio presídio,
onde morava, com esses palitos. Mas a vida de ARTISTA, no Brasil e no
mundo, é dura – penosa – escrava e cruel. João, que não é o
Cabral, com 10 anos, órfão de pai, há 07 anos, por causa da bala
certeira de um criminoso frio e calculista, também sonha em ser
ARTISTA. Ele quer sair na capa de jornais e revistas. Ele quer ser
famoso. Severino não quer mais, nunca mais.
E eu aqui, ainda a olhar a
pulga do leão. Folheando o jornal da semana passada as notícias não
têm sentido. Folheando os poemas escritos às ex-namoradas o amor
não tem sentido. Cansado de folhear os livros nas estantes. Cansado
de escrever coisas tristes. Algo me diz que ser ARTISTA, em qualquer
país, é carregar a cruz e não reclamar – só esperar o último
punhado de terra que lhe cabe. ARTISTA, ao pó voltarás. Morte e
vida, Severino, de Deus eu não sou nada – a não ser a pulga do
leão. Amem!
*Jornalista
e escritor ou “contador de histórias”, como prefere ser chamado.
Atua como repórter freelancer para o jornal Diário do Comércio
(SP) e é diretor de programação da Cinetvnet (TV pela WEB). Está
escrevendo seu primeiro romance, DOCE DESESPERO.
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