O
peso dos restaurantes por quilo
* Por
Rosana Hermann
Por
excesso de trabalho, falta de dinheiro e fome na hora do almoço, a
gente acaba sendo obrigado a comer nos famigerados restaurantes por
quilo. É deprimente, dá vontade de chorar aos litros. Mas quando a
pessoa está dura (o que significa mais da metade da população,
durante quase todo o mês), não resta outra alternativa. Ou vai no
quilo, ou vai comer no hot dog no fundo da Kombi pingando catchup no
tênis. Ninguém merece.
O
quilo sempre tem fila, todo mundo com cara de escritório e cor de
carpete, cinza ou bege, sempre cores neutras, que não pegam sujeira.
É aquele bando de gente esfomeada, com mão no bolso, gravata em
cima do ombro, cinto com buraco feito à tesouradas e celular
pendurado na cintura.
Depois
de meia hora em pé, torcendo pra turma da mesa quatro pedir a conta
e ir embora, você finalmente chega até os pratos. Lógico, o seu
prato estará molhado e com aquela cara de quem acabou de quem foi
comido e não gostou. Mas, como o vazio na barriga é grande e a
espera foi longa, você pega o prato molhado e segue em frente,
torcendo para que sua salada não se afogue.
O
destino tenta alertar você quanto à qualidade do buffet mas além
da paixão, também a fome é cega e lá vai você catar bolinha de
manteiga em banho de gelo pra acompanhar as fatias torradas do
pãozinho de anteontem.
Por
alguma razão que pesquisas americanas não explicam e a ciência não
estuda, todo restaurante por quilo adora servir muito, muito tomate
fatiado, alface molhado e cenoura cozida, de preferência com
salsinha. Depois, vem alguma coisa que ninguém come, como rabanetes
ralados, nabos estuprados ou combinações improváveis como
quiabo-com-beterraba ou milho com abobrinha. Eles ficam lá só para
fazer número e manter os pratos cheios. Você sabe, a gente também
come com os olhos.
Para
dar um ar mais sofisticado pra essa gororoba vegetariana, você acaba
cruzando com alguma salada que tenha frutas no meio. E aí, dá-lhe
abacaxi com repolho e brócoli com uva-passa.
Assim
que você vence a etapa das folhas e legumes começa a parte que
realmente pesa. E engorda. Farofa, farinha, pirão, arroz, batata,
cal, massa corrida, eternit. E, claro, pra cimentar bem a pança,
feijão, tutu, caldinho, que é pra dar a ‘liga’.
A
essas alturas seu prato já parece briga em final de feira, mas você
vai firme para as partes que interessam: as carnes e os pratos
quentes. Aí começam as dúvidas religiosas: lasanha de
deus-me-livre, peixe com sabe-se-deus-o-que ou bife a role recheado
de Jesus me chama? O negócio é fazer um sinal da cruz, bater na
madeira e ir pra balança, independente do seu cruz-credo.
Na
balança, sempre tem uma tia triste, com cara de saco cheio, que pesa
seu prato e entrega uma comanda sem tirar os olhos das palavras
cruzadas. E é assim, com um prato na mão e um peso na cabeça, que
você vai heroicamente em busca de uma mesa, onde você possa,
finalmente, sentar-se sobre todos os seus quilos que, pelo menos, não
pesarão no bolso. Só no carnê da vida, aquele, que a gente quita
em cerca de oitenta anos de prestação.
E
até a próxima refeição.
*Rosana
Hermann é Mestre em Física Nuclear pela USP de formação, escriba
de profissão, humorista por vocação, blogueira por opção e,
mediante pagamento, apresentadora de televisão.
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