Tanatologia, a ciência da morte
* Por
Harry Wiese
À
minha mãe in memoriam!
Nem
sempre se pode escrever textos lindos que retratam situações e
momentos felizes e bons. Às vezes somos surpreendidos por
circunstâncias inesperadas e não sabemos tratar muito bem delas.
Então é tempo de escrever diferente e que pode não agradar.
Do
quarto do hospital vejo o cemitério, que fica à esquerda e logo
acima da igreja. Meus pensamentos param ali e começo a refletir
sobre a vida e a morte.
Lembro-me
das leituras sobre tanatologia, que é a teoria ou o estudo
científico da morte, suas causas e fenômenos a ela relacionados; ou
o estudo dos mecanismos psicológicos para superar os efeitos da
morte na mente humana. Conhecer esses fatos é fundamental para ter
mais propriedade para se relacionar com eles.
Pois
é, são assim as circunstâncias do mundo. Quando se está em estado
de tristeza, reflexão e sensibilidade profunda, as ideias, quando
afloram, levam-nos a reflexões, muitas vezes, destituídas de
racionalidade. A morte, “a indesejada das gentes”, como disse
Manuel Bandeira, assume seu poder e provoca consequências
inexplicáveis.
Incrível!
No cemitério, os mortos dormem em paz! Os vivos estão no hospital,
cuidando e visitando os doentes. Também estão na igreja, logo
caminharão sobre o tapete colorido, feito de madrugada. Vejo-o
daqui: é Corpus Christi!
Sim,
os mortos estão sós, mas há uma história enterrada em cada
túmulo. Cabe aos vivos contá-la, pelo menos parte dela, se assim o
desejarem e puderem. E o resultado se chama história recuperada, uma
forma de vida diferente. Caso contrário, a existência, aos poucos,
se resumirá a duas datas: a do nascimento e a da morte, na lápide
exposta.
O
ser humano, disse-me uma amiga, sem se ater a razões científicas,
tem um nascimento e várias mortes. Vou descrevê-las. A primeira
morte é a morte física. O ser humano dá o último suspiro, mas
ainda o corpo está presente: é o velório, com desespero, choro,
rezas e lamentações. A segunda, vem logo depois. O corpo é levado
à sepultura, ou ao crematório. Desaparece da presença de
familiares e amigos. É o luto, a saudade e as lembranças em estado
de perpetuação, mas o tempo é parceiro e se encarrega da
suavização do sofrimento. A terceira e última morte é quando se
pronuncia pela última vez o nome da pessoa. Quando isso acontece, as
lembranças e o nome não existem mais. É o momento da ausência
absoluta, como não tivesse existido.
Mas
a humanidade com suas ações criativas e benevolentes, para retardar
a última morte, criou leis e decretos e o nome das pessoas são
expostas em placas de ruas, pontes, prédios, praças e escolas.
Desconfortável é ver as placas dos mortos-vivos e não saber quem
eram, o que fizeram; em suma: a história contada e não aprendida.
Sorte têm os vivos e os mortos, que possuem registros em textos
históricos, guardados em compêndios e enciclopédias, que os mantêm
com perspectiva de vida longa. Pena que nem todos têm este
privilégio, mas deviam tê-lo, pois todos são sujeitos da História,
com direitos e possibilidades iguais.
Paro
de viajar pelo mundo do pensamento e volto a olhar para o cemitério
que vejo da janela de um quarto de hospital. Da igreja ouço o canto
triste ao Senhor morto. Sim, as flores multicoloridas na necrópole
também estão mortas. Todas as flores estão mortas. Parece-me que a
legislação não permite levar flores vivas: rosas, dálias, lírios
e crisântemos. Prevenção. Fica até melhor: flores mortas combinam
mais com pessoas mortas. Simbiose perfeita, nada a reclamar. No
passado, quando as sepulturas eram de chão batido, plantavam-se
lírios e cravos sobre elas e o perfume exalava para além dos
limites do campo-santo. Eram as badaladas flores dos cemitérios. Em
momentos pouco nobres, na calada das noites, houve colheitas
clandestinas e as flores dos mortos felicitavam os vivos.
Sei
que a tanatologia é a ciência que estuda a morte e explica as fases
de luto e tudo o que se relaciona em ele; mas tem dificuldade em
explicar certas circunstâncias muito individuais, como dizia minha
mãe: “Quanto maior o amor em vida, maior a dor na morte!” É
isso! Desculpem-me pela crônica triste, porque às vezes somos
surpreendidos por circunstâncias inesperadas e não sabemos tratar
muito bem delas. Então é tempo de escrever diferente e que pode não
agradar.
Agora
me lembro do final de uma música de Oswaldo
Montenegro,
que parodio assim: “E
que a minha tristeza seja perdoada/ Porque metade de mim é amor/ E a
outra metade... também.
*
Harry Wiese é escritor que reside em Ibirama - SC. É autor de
vários livros, dentre eles A sétima caverna, romance premiado pela
Academia Catarinense de Letras.
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