Inundação de esperança
A
esperança é fidelíssima companheira que nunca nos abandona, nem
nos piores momentos e circunstâncias. Impede que venhamos a dar
qualquer batalha por perdida – quer seja no amor, no esforço pela
sobrevivência ou no empenho por um mundo melhor e mais justo –
retemperando nossas forças, reacendendo o brilho e o fogo nos olhos
e na alma e nos exortando a prosseguir.
Esperamos
neste mundo e em outro que, mesmo que não exista no terreno
concreto, passa a existir em nosso coração e mente. Abrimos mão de
muita coisa, ao longo da vida, premidos pelas circunstâncias, mas
jamais nos separamos dessa companheira dileta e leal, que independe
de qualquer lógica ou razão, chamada esperança. E fazemos bem em
agir dessa maneira.
Há
pessoas, porém, tão desencantadas face aos sofrimentos que têm,
aos tropeços que experimentam, aos fracassos que vivenciam e às
decepções que colecionam, que asseguram não ter mais nenhuma
esperança na vida. Estão erradas, claro. No fundo, bem no âmago de
seus corações, escondidinhas, estas ainda se fazem presentes. Não
há quem não as acalente, mesmo que secretamente, ou de maneira
inconsciente.
Até
mesmo os moribundos, que vislumbram o espectro da morte ao seu redor,
esperam uma miraculosa reação do seu organismo e a recuperação.
Sempre que uma esperança morre, face à dureza da realidade (e isso
é bastante comum e até corriqueiro), outra nasce de imediato,
silenciosa e até despercebida, porém mais forte e vigorosa.
Gustave
Flaubert afirmou, pela boca de um dos seus personagens, que “a
recordação é a esperança do avesso. Olha-se para o fundo do poço
como se olhou para o alto da torre”. E o romancista francês está
coberto de razão. Quando temos esperança, olhamos para o alto, na
certeza de que, aquilo que tanto queremos, vai, de fato, acontecer,
sendo apenas questão de tempo. Às vezes, nunca acontece. Ainda
assim, a sensação que nos fica é das mais doces e promissoras.
Quando
recordamos, porém, pensamos em algo que já passou, que aconteceu,
que foi bom enquanto durou, mas que se acabou, sem chance de retorno.
Considero, pois, a recordação muito mais frustrante e amarga do que
a esperança. Mesmo que seja agradável, traz, em si, implícito, um
sentimento de perda, de algo irrecuperável. A esperança, por seu
turno, por mais louca que seja, nos abstrai da realidade,
principalmente quando esta é amarga e dura, e sempre nos serve de
bem-vindo consolo.
Não
raro nos desesperamos por pouca coisa, e achamos que, para nós, nada
mais faz sentido. Raros são os que sabem lidar bem com pontuais
fracassos e eventuais frustrações. Nada como um dia depois do
outro! O que conta, mesmo, é a vida que, apesar dos percalços e dos
sofrimentos físicos e morais que eventualmente nos imponha, sempre
vale a pena. Basta que atentemos para o seu real sentido e sua
sublime transcendência.
Concordo
com o que diz Érico Veríssimo, através de um dos seus personagens,
no romance “Olhai os lírios do campo”: “Olha as estrelas.
Sempre há esperança na vida”. Num universo tão imenso – de uma
grandiosidade que a nossa mente até é incapaz de abarcar e entender
– e embora não passemos, nele, de infinitésima partícula, temos
o privilégio de existir. E de ter noção dessa existência. Por
pior que seja a nossa situação, a solução para nossos males pode
estar próxima, no segundo seguinte..
Cultivar
esperanças, portanto, é um hábito saudável. Mas requer algumas
cautelas, sem as quais corremos o risco de descambar para
frustrações, amarguras, desilusões e profunda infelicidade. Por
exemplo, devemos esperar o que seja possível, realizável, factível
e alcançável e sem impor prazos para que isso aconteça.
Mas
não podemos e nem devemos nos limitar apenas a esperar. Precisamos
agir, com prudência e perseverança, no sentido de conseguirmos o
que tanto desejamos, já que nada cai prontinho do céu em nosso
colo. E, sobretudo, é conveniente que nos previnamos da
possibilidade de que o que tanto esperamos não se concretize nunca,
para que não nos frustremos.
Nesse
caso, nada impede que substituamos uma esperança por outra,
adotando, em relação a ela, as mesmas cautelas e cuidados que
adotamos em relação à que não se realizou. Fernando Pessoa exorta
e adverte a respeito: “Alague seu coração de esperanças, mas não
deixe que ele se afogue nelas”.
O
ser humano, obra-prima da criação, não foi feito, apenas, para
viver um cotidiano tedioso e banal, em um mundo repleto de violência,
misérias e injustiças. Todavia, para que alcance a grandeza que lhe
foi destinada, para que conquiste a nobreza da qual possui pleno
potencial, tem que mudar. Precisa evoluir, e muito, mental,
espiritual e comportamentalmente. Tem que dominar seus instintos.
Deve exercitar, em toda a sua plenitude, com constância e de forma
incansável, a capacidade de amar. Precisa cultivar valores, como a
bondade, solidariedade, justiça e fé e exercitá-los no dia a dia,
transmitindo-os às novas gerações.
O
poeta Mauro Sampaio diz isso de forma sábia e bela, nestes versos do
seu poema “Esperança”:
“Um
dia/os montes se abaterão aos nossos pés
e
levantaremos do chão as estrelas caídas!”.
Compete
ao ser humano identificar, valorizar e viver a plena felicidade, que
existe, latente, dentro de si. E nunca, em circunstância alguma,
guardando as cautelas que realcei acima, abrir mão da esperança.
Nunca abra mão da sua, querido leitor!
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
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