Aloneland
* Por
Marcelo Sguassábia
É
pouco provável que consigamos deter o processo de desertificação
de Aloneland. Não a geográfica, mas a desertificação humana
mesmo.
Devagarinho
vamos tendo a nítida confirmação de que há, em nosso povo, uma
espécie de predestinação ao não-acasalamento. O que não
significa um comportamento assexuado, mas um conformismo em lidar
com a libido sem a necessidade de outrem.
A
estonteante oferta de pornografia na internet, para grande parte das
pessoas, é um convite irrecusável à autossuficiência. Com tantas
e cada vez mais realistas variações de bem-bom virtual, para quê
complicações de relacionamento, DRs até tarde da noite, novas
responsabilidades e contas a pagar, papel passado em cartório,
sogras, cunhados e congêneres?
É
nessa conveniência que está o maior perigo. Um casal precisa ter
dois filhos para que a população permaneça basicamente a mesma.
Isso é aritmético e incontestável. Se entretanto, esse suposto
casal gere apenas uma criança, bastará uma única geração para
que o número de habitantes do país caia pela metade. Caso o casal
em questão opte por não deixar descendentes, onde haviam duas
pessoas por domicílio passará a haver nenhuma, a partir do óbito
dos cônjuges.
A
prosseguir, no ritmo em que se observa hoje, a opção pelo celibato
e a indiferença à conjunção carnal, estima-se que em no máximo
60 anos não restará um único alonelandino sobre o nosso
território.
Ciente
da ameaça, o governo já implementa ações preventivas para evitar
o pior.
Primeira
medida: toda as formas de acesso à internet em Aloneland serão
interrompidas às 19 horas, nos sete dias da semana.
Segunda:
a iluminação pública será cortada e o policiamento afastado em
lugares ermos e propícios à intimidade.
Os
clubes e demais locais licenciados para a prática de nudismo
receberão incentivos fiscais dos municípios, além de autorização
especial para que possam funcionar 24 horas durante todo o ano –
inclusive no inverno, recebendo empréstimos estatais subsidiados
para a compra de aquecedores.
Outros
expedientes emergenciais já estão em curso, sem o conhecimento da
população e com o aval dos mais altos escalões governamentais.
São procedimentos eticamente reprováveis, mas de alta eficácia
para combater a míngua obstétrica que vivenciamos. Dentre eles, o
que vem apresentando resultados mais significativos é a sabotagem
nas fábricas de preservativos, com a incisão proposital de
microfuros nos produtos. Já as pílulas anticoncepcionais de
farinha e açúcar, fabricadas até recentemente com o conluio e o
apoio logístico da nossa indústria farmacêutica, teve sua
produção descontinuada devido ao vazamento da prática para a
imprensa local e internacional.
Uma
alternativa em estudo consiste na abertura de fronteiras para
imigrantes de países com o problema oposto ao nosso, ou seja, de
alta densidade demográfica e crescimento populacional em progressão
geométrica. A ideia é que esse contingente, trazendo consigo um
histórico de maior assiduidade sexual, procrie com os nativos e
colabore para minorar o déficit de nascimentos.
*
Marcelo
Sguassábia é redator publicitário. Blogs:
WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e
WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).
Vendo a fila na porta das maternidades, vemos que esta ficção está longe de se tornar realidade, mas não deixa de ser uma ideia interessante.
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