Talvez um dia
A
extensão das nossas vidas é medida em anos, mas deveria sê-lo em
dias. Claro que isso traria alguns inconvenientes, digamos,
numéricos. Os números ascenderiam à casa das dezenas de milhar,
em vez de somente 7, 8 ou 9 dezenas e, quando muito, uma centena.
Isso se não formos a patriarca bíblico Matusalém, que se aproximou
do milhar de anos.
Supõe-se,
contudo, que a contagem dos aniversários, naqueles tempos remotos,
era feita de forma bem diferente da de hoje. Claro que se trata de
suposição. Pode até ser que esse personagem bíblico tenha vivido,
de fato, novecentos e tantos anos. Vai saber! Devemos pesquisar para
saber se ele deixou alguma “receita” dessa façanha.
Provavelmente não deixou.
Deveríamos
aniversariar a cada dia que vivêssemos. Seria uma forma justa de
valorização do nosso tempo de vida. Quem sabe, assim, daríamos o
devido valor a esse espaço de 24 horas, que equivale a uma volta
completa da Terra em relação ao seu eixo imaginário. Quase nunca
damos. Pior, jogamos fora muitos deles, com nossa inércia,
indolência e falta de visão de conjunto.
Se
você já completou, digamos, 30 anos de idade, calcule a quantos
dias isso corresponde. Calculou? Se não errei nas contas, a cifra
chega a quase 11 mil, ou, mais precisamente, a 10.957. O cálculo é
fácil. Leve em conta, por exemplo, que nesse período você teve
sete anos bissextos, de 366 dias cada. Ou seja, 2.562 dias. Os outros
23 anos foram de 365 dias, portanto. Ou de 8.395 dias. Some os dois
totais. Você chegará à conclusão que já viveu 10.957 dias.
Pouco? Talvez. É possível que tenha, contudo, ainda, “muita lenha
para queimar”.
Desses
milhares de dias, de quantos você se recorda com especial carinho?
De poucos, pouquíssimos, com certeza. Não mais do que duas dezenas,
se tanto. Com data precisa, então, se lembra de menos ainda. E mesmo
esses dias especiais – quando você foi pela primeira vez à
escola, por exemplo, ou quando fez a primeira comunhão, ou
conquistou a primeira namorada, ou deu o primeiro beijo, ou passou
pela experiência da primeira transa e vai por aí afora – embora
se recordando deles, não sabe precisar sequer em que ponto da semana
caíram – se foi numa segunda-feira, numa sexta ou num domingo.
Não
se preocupe, contudo. Todas as pessoas agem assim. Algumas, mais
organizadas, escrevem diários para registrar o que lhes acontece, o
que fazem, o que sentem, pensam ou planejam diariamente. Mas assim,
de chofre, de memória, não se lembram de nenhum detalhe (por menor
que seja) dos pouquíssimos dias especiais das dezenas de milhares
que viveram.
No
entanto, todos, absolutamente todos foram importantes, até aqueles
modorrentos e tediosos, em que as horas tardaram a passar e você
achava que não tinha o que fazer (sempre temos alguma tarefa a
cumprir; nós é que decidimos quando as executar e adiamos,
estranhamente, as mais importantes, “sine die” e, não raro, não
as executamos nunca). Afinal, você iniciou e terminou cada um desses
dias vivo. E provavelmente com saúde (caso contrário, sequer
chegaria aos 30 anos). Mas, convenhamos, não os aproveitou como
poderia (ou deveria).
Fôssemos
mais sábios no aproveitamento do tempo, soubéssemos o que fazer de
cada dia que temos o privilégio de viver, e nossa vida seria, se não
mais prazerosa (e acredito que sim), pelo menos mais produtiva.
Afinal, saibamos ou não, queiramos ou não, passaremos por este
caminho uma única vez. Não haverá chance alguma de retorno.
Você,
leitor amigo, que me faz companhia espiritual neste momento, valorize
este dia, embora não tenha nascido ensolarado e com céu azul,
apesar de nuvens cinzentas lhe trazerem um clima de melancolia e do
frio enregelar-lhe os músculos. Decida-se a vivê-lo plenamente,
mesmo que tenha dormido mal e acordado com insuportável mau humor.
Saia
do quarto com um sorriso nos lábios e cumprimente, jovialmente, a
todos com os quais cruzar – mulher, marido, filhos, sogra,
empregada, não importa quem – desejando-lhes um caloroso “bom
dia!”, a despeito disso lhes cause estranheza por não ser este seu
comportamento matinal habitual. Verá como seu dia começará
diferente dos demais.
Aja
de igual forma ao se dirigir ao trabalho, ou à escola. Cumprimente a
todos com os quais cruzar, conhecidos ou estranhos. Pense
positivamente. Mentalize que tudo dará certo nas atividades que for
executar. E embora algo dê errado, não se desespere. Procure a
melhor solução, sem se irritar, ofender alguém e muito menos achar
que é vítima das circunstâncias.
Nas
horas de lazer, faça só o que lhe agrade. Leia, ouça música,
dance, assista a uma peça de teatro, as um filme, a um jogo de
futebol. Ame! Se puder transar, transe e dê o seu melhor nessa
transa.
E,
ao se recolher, verá como “construiu”, do nada, um desses raros
dias especiais que merecem ser lembrados. Quem sabe, então, você
repita (caso o conheça) aquele famoso verso do poeta romano
Virgílio, no poema “Elegia”: “Talvez um dia seja bom relembrar
este dia”. Talvez... Ou melhor, provavelmente. Sempre é, inclusive
dos dias que classificamos como “negativos” ou dramáticos.
Afinal, vivemo-los!!! E você quer mais do que isso?!
Boa leitura!
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Ah, os grandes dias! Ih, os miseráveis dias!
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