Mania
de ter manias
As pessoas dotadas de grande capacidade
de apreensão da realidade (que são raras) formam, com facilidade, juízo sobre
fatos e indivíduos que as cercam. Desenvolvem, por conseqüência, aguçado senso
crítico. Opinam sobre tudo e sobre todos e nem sempre conseguem manter o
desejável equilíbrio. (Essa introdução está me parecendo bastante familiar. Ah,
sim, já fiz essa mesma afirmação, ou algo parecido, em outra crônica. Não
importa! Afinal, tanto o jornalismo, quanto a boa literatura, são
reiterativos).
Há opiniões, todavia, que o
bom-senso recomenda que guardemos somente para nós, até porque, sua divulgação
traria mais mal do que bem. Não construiria nada e ainda poderia nos expor a
represálias. Estes críticos afoitos e desatinados, muitas vezes, partem para
destemperos verbais sem sentido, para provocações gratuitas, quando sua
intenção, sequer, é de confronto, mas de marcar posição.
Como todo o indivíduo normal tem amor
próprio, e não suporta ser criticado, vem a reação. E esta nem sempre é
civilizada, dependendo de quem seja o criticado. No meu caso, costumo responder
a essas provocações (intencionais ou não) com a poderosa arma da ironia. E a
estratégia sempre funciona. Desestabiliza o crítico e deixa-o na defensiva.
Uma das coisas que mais criticam, em
minhas atitudes, são as minhas supostas “manias”. Trata-se de questão de mero
ponto-de-vista, de simples interpretação. Por exemplo, sou um sujeito metódico
e procuro fazer tudo sempre igual (ou quase sempre), no que se refere àqueles
atos mecânicos pós-despertar. Acordo, invariavelmente, no mesmo horário, não
importa o dia da semana, e sigo um ritual só meu, particular, que é uma espécie
de distintivo que me caracteriza.
Ao pôr os pés fora da cama (sempre o
direito na frente), faço uma breve oração mental, agradecendo a Deus pela noite
de sono que me proporcionou e pela oportunidade de contar com um novo dia,
novinho em folha, virgem ainda, para ser conquistado. Tiro dois minutos para
meditação (nem mais e nem menos), nos quais recito um mantra que, mesmo o
fazendo há anos, ainda causa espanto na mulher e nos filhos. Acham que estou
maluco. Paciência!
Não tomo nenhum desjejum. Antes mesmo
de fazer a higiene pessoal, bebo uma xícara de café bem forte, com pouco açúcar
(quase amargo de todo) e dirijo-me para meu gabinete de trabalho. Confiro os
e-mails recebidos, anoto na agenda os que deva responder, envio aos sites e
blogs com os quais colaboro os textos do dia, editados na noite anterior, posto
minha crônica e reflexão do dia no “O Escrevinhador”, o mesmo pensamento gravo
em minha página do Facebook acompanhado de entusiástico “bom dia” (ou boa
tarde) e atualizo meu diário, com o que me ocorreu no dia anterior.
Só depois de cumprir todo esse ritual é
que faço minha higiene pessoal. Escovo os dentes debaixo do chuveiro (sempre em
temperatura bem quente, quase pelando, tanto no inverno quanto no verão),
cantando, invariavelmente, a mesmíssima canção, com o meu vozeirão grave
(afinal, fui por décadas locutor de rádio) e desafinado. Também, nunca tive a
pretensão de ser cantor. Nem poderia. O pessoal aqui de casa interpreta essas
ações como “manias”. Eu interpreto-as como método. Não, amigo leitor, não sou
maníaco, sou metódico.
É verdade que tenho algumas
esquisitices, algumas idiossincrasias, algumas atitudes pouco-convencionais. Bem,
chamemo-las, estas sim, de manias. Que seja! Mas não são nada graves e nem
motivos para minha internação em algum hospício. Por exemplo, guardo fósforos
usados na caixa, junto com os que ainda não usei. E daí?! Leio os jornais do
dia (nunca menos de cinco), na mesma hora, na mesma poltrona e no mesmo cômodo.
O que há de anormal nisso?
Outro dia, quando a mulher veio me
dizer que, à medida que envelheço, estou ficando mais maníaco, respondi-lhe
recitando a letra do samba-canção “Manias”, do Flávio Cavalcante (aquele do
programa “Um instante maestro”, da extinta TV Tupi), popularizada, primeiro, na
voz de Francisco Alves (o Chico Viola), e depois, sucesso de público e de
vendas de Nelson Gonçalves e de Altemar Dutra, e que diz:
“Mania
é coisa que a gente tem, mas não sabe porque.
Mania
de querer bem, às vezes de falar mal,
mania
de não deitar sem antes ler o jornal.
De
só entrar no chuveiro cantando a mesma canção,
de
só pedir o cinzeiro depois da cinza no chão.
Eu
tenho várias manias, delas não faço segredo,
quem
pode ver tinta fresca sem logo passar o dedo?
De
contar sempre aumentado tudo o que diz ou que fez,
de
guardar fósforo usado dentro da caixa outra vez.
Mania é coisa
que a gente tem mas não sabe porque.
Dentre as
manias que eu tenho uma é gostar de você”.
Essa mania de decorar letras
inteligentes do cancioneiro popular brasileiro (uma das poucas que admito ter),
na verdade, trouxe-me uma gratíssima e inesperada compensação. Ganhei um
apaixonado beijo da mulher que amo e, de lambuja, uma tórrida noite de amor.
Mas esse desfecho prefiro guardar só para mim. Maníaco, eu?! Ora, ora, ora, é
intriga da oposição!!!
Boa leitura!
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
As manias de uma pessoa só incomodam quem convive com esse alguém. Algumas vezes ser metódico (que no norte de Minas referimos como pessoas sistemática) faz acabar casamentos. Envelhecer acentua tais manias. Conviver com os nossos não é fácil, mas, lidar com os métodos alheios é desafiador.
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