As razões das dores
* Por
Luiz de Aquino
Não tenho notícias de
um companheiro há algumas semanas. Ligo, mais por curiosidade que saudade, só
para perguntar “Olá, tudo bem?”, e ouvir de volta “Tirando os problemas, tudo
bem”. Ora, tentei esclarecer, mas o que seria da vida sem problemas? Um tédio!
A alegria de viver consiste em resolver problemas, superar obstáculos, vencer
dificuldades e, enfim, erguer a mão fechada com um baita sorriso e gritar
“Eba!”.
Sempre ouvi que, ao
acordar, precisamos agradecer a Deus pelo dia a viver – em seguida, espreguiçar,
como cães e gatos, e levantar para os primeiros passos e providências, desde a
higiene até o ato de nos aprontarmos, com a indispensável vaidade e a ótima
disposição para vencer etapas.
Pensava ainda no papo
com esse conhecido quando, pelo Facebook, um companheiro de verso e prosa a
quem não conheço pessoalmente, morador das lonjuras brasileiras, quer saber de
mim o que leva um homem de quase 80 anos ao suicídio (aconteceu com alguém das
relações dele, não sei se finalizou o ato ou se foi acudido a tempo).
Falou-me, esse
parceiro, da vida vivida, a formação acadêmica, a profissão exercida a contento
e as realizações no campo material, com boa casa, bons carros sempre, casa de
veraneio na praia e um sítio na montanha. Muitas viagens e um casal de filhos, já
beirando a casa dos cinquent’anos, cinco netos (dois adolescentes e três
crianças).
– É o vazio –
disse-lhe eu.
– Vazio... que vazio?
– Vazio no tempo, no
horizonte e na vida. Imagina esse casal (sim, sua companheira da vida toda,
apenas dois anos mais nova, também é triste) na casa de praia durante os dias
da semana, esses a que acrescentamos “feira”. O que há na praia? Somente a
areia e a espuma das ondas. E o mar, para eles também vazio, é metade de toda a
paisagem. O mesmo se dá na chácara, quero dizer, no sítio da montanha. Há os
pássaros e outros animais, como macacos, quatis... e mesmo as pessoas que
eventualmente passam por eles são fatores reais, mas não lhes preenchem os dias
e as emoções – como o eco numa caverna.
Nos tempos de moços,
deixamos vazios os dias de nossos pais. Uns 25 ou 30 anos após, nossos filhos
fizeram o mesmo conosco e hoje são os nossos netos a deixar foscos os olhos de
nossos filhos. “Seus filhos filhos terão”, costumava repetir minha mãe,
referindo-se ao fenômeno da autossuficiência que assola os jovens. Lá pelos 40
anos, costumamos retornar aos olhos e afagos dos pais – mas é essa uma fase de
muito trabalho, de busca pela consolidação do patrimônio material, com medo de
uma velhice triste e mal assistida, e não sabemos então que, na velhice,
gostaríamos mesmo de ter tão-somente a proximidade dos que amamos.
Preocupa-me, sim,
quando do “gesto tresloucado” (era expressão da imprensa policial de algumas
décadas idas), em que a pessoa comete um dos dois graves crimes imperdoáveis.
Mas, digam-me, como julgar? Por maior que seja o argumento religioso, angústias
e ansiedades não se explicam nem se medem. As razões das dores, só as dores as
conhecem.
Deus que se apiede...
*
Professor, jornalista e bancário. Tem vinte livros publicados, está em dezenas
de antologias de prosa e de poesia, presidiu a União Brasileira de Escritores
de Goiás, é membro efetivo da Academia Goiana de Letras e de outras academias
(de abrangência municipal).
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