A morte de Brasão
* Por
Clóvis Campêlo
Uma das coisas mais
curiosas que me lembro no livro “Henfil na China”, escrito nos anos 70 pelo
falecido cartunista do Pasquim, eram os chineses oriundos das áreas rurais
criando galinhas nas cozinhas dos apartamentos construídos pelos governo para
realocá-los.
Não sou chinês e nem
crio galinhas, mas gosto de criar passarinhos. O hábito, eu herdei do meu pai.
Na nossa casa, no Pina, sempre havia muitas gaiolas para serem cuidadas por mim
e por meu irmão, Carlinhos.
Com o meu tio Luís
Regueira, cansei de me embrenhar de madrugada pelas matas de Camaragibe para
passarinhar. Saíamos de casa bem cedo, levando uma sacola com mantimento (pão,
goiabada e queijo de coalho), para pegar o ônibus no Recife Antigo. Antes de
voltarmos para casa, à tarde, ainda desfrutávamos de um bom banho nas águas
limpas do Riacho do Flamengo, hoje completamente poluído e perigosíssimo, local
de desova da bandidagem.
Hoje, embora ainda
existam resquícios da Mata Atlântica circundando o Recife, os passarinhos
escassearam. Uns dizem que por conta dos pardais, pássaros alienígenas
importados da Europa, nos anos 60, para combater o lacerdinha, um inseto que
naquela época invadira o Recife e causava transtornos à população. Os
lacerdinhas sumiram, é verdade, mas os pardais ficaram e espantaram os pássaros
nativos (curiós, galos-de-campina, canários, patativas, papa-capins,
caboclinhos, bigodes, guriatãs, etc).
Em agosto do ano
passado, recebo um papa-capim de presente, trazido por um amigo meu do seu
sítio, em Abreu e Lima. Resolvo chamá-lo de Brasão, atacante que, na época,
estava em destaque no Santa Cruz. E, apesar de morar em um apartamento de
classe média, no bairro do Cordeiro, logo arranjei no terraço um lugar de
destaque para ele. Começava ali uma grande relação de amizade. Nesses quinze
meses de convivência, acostumei-me a acordar de manhã cedo com o canto de
Brasão. Era como se fosse um bom dia amigo.
Ontem, abruptamente,
essa relação foi interrompida. Pelo celular, recebo a incrédula notícia:
burlando a vigilância da família Campêlo, um gavião que andava rondando o
terraço pegara Brasão desprevenido. Para o gavião, nada mais justo do que
querer alimentar-se com a carne gorda e bem cuidada de Brasão. Para mim, que
raciocino diferente e passionalmente, aumentou um pouco mais o meu vazio existencial.
* Poeta, jornalista e radialista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário