O
Direito e o desenvolvimento geral da civilização
* Por
Artur Orlando da Silva
No estudo das
instituições jurídicas não se pode deixar de recorrer à História e Filosofia do
Direito.
Somente com o emprego
deste duplo processo, induzindo da observação direta dos fatos jurídicos e
deduzindo dos princípios da ciência social, sem inferir por simples analogias
com as ciências biológicas, como até hoje se tem praticado, poderá o jurista
ser bem sucedido em suas investigações.
Mas do ponto de vista
histórico-indutivo dever-se-á completar os dados da Etnografia com os da
Paleontologia. Deste modo é que se conseguirá esta educação largamente
antropológica, de que fala Manouvrier, indispensável ao jurista moderno.
As ideias rudimentares
do Direito, escreve Sumner Maine, são para o jurisconsulto o que as camadas
primitivas da terra são para o geólogo: nelas estão potencialmente contidas
todas as formas que o direito toma depois.
Não basta, porém,
observar exclusivamente os fatos jurídicos, é essencial estudar o laço, que
prende o Direito ao desenvolvimento geral da civilização.
A este respeito nota
Hildelbrand que para poder afirmar que tal direito ou tal costume é de origem
mais antiga ou mais primitiva que tal outro Direito ou tal outro costume, é
preciso comparar não somente as relações jurídicas e os costumes desses povos e
dessas épocas, mas ainda todas as outras manifestações de sua vida ativa.
“Se não se procede
assim, continua o sábio reitor de Universidade de Graz, o tertium comparationis
faz falta, e o método comparativo é uma faca sem lâmina.
A resposta à questão
da origem e evolução do Direito e dos costumes não está no domínio
étnico-jurídico, mas além. E não é senão estendendo-se o método comparativo a
este além, que se poderá resolver o problema de uma história geral do direito e
dos costumes.”
Tratando-se de estudar
as instituições jurídicas de um povo, somente a história em sua mais larga
acepção, o meio social todo inteiro, economia, ciência, moral, religião, arte,
indústria, o Aussenwelt, no dizer de Ihering, poderá dar a medida de seu valor
presente e a orientação de suas transformações futuras.
Daí o laço que deve
existir entre o método histórico-indutivo e o método filosófico- dedutivo na
solução do problema social do Direito.
À sociologia cabe
fornecer as leis fundamentais, a que obedecem os fatos sociais, como o fio
condutor, que deve guiar o investigador no emprego do método
filosófico-dedutivo ao estudo das instituições jurídicas.
Em vão buscar-se-ia na
história das legislações, mesmo no que Neucamp chama a história evolutiva do
direito, resposta para as seguintes questões: Que é que em dado momento
jurídico deve ser conservado ou eliminado? Que é que não passa de uma
sobrevivência do passado ou contém germens de desenvolvimento futuro? Que é que
na marcha evolutiva, nas incessantes transformações, nas metamorfoses infinitas
de uma organização jurídica, está destinado à morte ou fadado a advento mais ou
menos próximo ou remoto?
Debalde buscar-se-ia
no Direito em si o raio visual necessário para a apreciação de um regímen
jurídico em vigor, coloque-se o jurista filosófico no ponto de vista da escola
do direito natural, que admite a existência de um direito inato ao homem,
anterior e superior à sociedade, jus quod natura omnia animalia docuit, ou no
ponto de vista da escola histórica, que atribui o desenvolvimento do direito a
uma evolução espontânea fora da ação das causas exteriores.
O Direito não evolui
por si mesmo: sempre em correspondência direta com a constituição social de um
povo, ele varia, à medida que variam as condições desta constituição, devidas a
particularidades, cada uma das quais dará feição especial às diversas teorias
sociais.
Múltiplas são as
teorias sobre o processus social; mas todas elas podem reduzir-se a quatro
grupos principais: teorias darwinistas, teorias spencerianas, teorias
comteanas, teorias analógico-orgânicas.
Com a vitória do
darwinismo, passando o homem a ser considerado a mais elevada expressão do
mundo orgânico, nada mais justificável do que aplicar às ciências sociais os
resultados obtidos pelas ciências naturais, nada mais legítimo do que a
tendência para explicar a evolução da humanidade pela teoria da natureza.
Para o desenvolvimento
extraordinário que tomou o darwinismo social, concorreu consideravelmente a
ideia fecunda da independência dos diversos ramos do saber humano.
Se o Princípio da
População, de Malthus, inspirou a Darwin a concepção da luta pela existência,
era de esperar que a ideia fundamental da teoria darwiniana, aparecendo no
firmamento intelectual como uma estrela de primeira grandeza, viesse iluminar
as mais longínquas regiões do mundo científico.
Mas, apesar do
renovamento operado pelas aplicações sociais do darwinismo, este, por si só,
era insuficiente para explicar o processus social.
Em primeiro lugar a
luta do homem contra o homem, ao passo que a luta anima se trava entre espécies
diferentes.
Uma outra distinção é
que na luta animal os vencidos são eliminados, ao passo que na luta social os
vencidos não são eliminados senão no caso de absoluta impossibilidade de serem
conservados como instrumento de exploração.
A relação de
parasitismo entre vencedores e vencidos constitui uma das faces mais curiosas e
características da história da humanidade.
Como consequência do
parasitismo resulta o fenômeno especial do processus social, isto é, ser o
elemento vencedor o principal interessado em conservar o elemento vencido,
porque a destruição da presa arrastaria o atrofiamento, senão a morte, do
parasita.
Não satisfeitos com a
aplicação às ciências sociais dos resultados obtidos pelas ciências naturais,
diversos discípulos de Darwin, dando uma feição exagerada à doutrina do mestre,
procuraram equiparar o organismo social ao individual, e subordinar as
sociedades humanas às leis da biologia.
(Propedêutica
político-jurídica, capítulo II, 1904)
*
Jurista e ensaísta, membro da Academia Brasileira de Letras.
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