A intolerância
* Por
Antonio Lassance
A intolerância é a
imbecilidade à procura de uma multidão. É o espetáculo da estupidez com entrada
franca, mas todos pagam caro ao final, quando as portas são fechadas, uma após
outra.
A intolerância é o
ofício de trucidar inocentes. Por isso o
ódio é um requisito - veneno trazido em embalagem de remédio. O ódio justifica
culpar, perseguir, condenar e executar pessoas que não merecem ser tratadas
como pessoas, nem mesmo como adversários, e sim como inimigos.
A intolerância é uma
seita cultuada e inculta. Com ideias em falta, os xingamentos sobram. A
narrativa dos intolerantes não é a de contar histórias, mas a de encontrar
culpados. O discurso dos intolerantes não é a conversa e a argumentação, é a
ofensa.
Os intolerantes não
são burros. Quem dera fossem. Burros são criaturas simpáticas, pacíficas,
úteis, laboriosas, respeitadoras. Sequer fazem asneiras, ao contrário do que se
lhes atribui. Burros relincham, mas não gritam nem ofendem. Burros cometem
erros, mas, nunca, injustiças.
A intolerância é um
Mar Morto salgado até trincar. É um monumento granítico impermeável ao bom
senso. É a corrupção da alma - por isso, a corrupção é seu assunto predileto.
A intolerância é
obscena, pois desconfia que tudo é uma vergonha. A perseguição seletiva
apresenta-se como seu principal espetáculo, protagonizado por heróis da
repressão.
Os intolerantes fazem
sucesso e são notícia, quando não são eles próprios âncoras de programas ou
donos dos meios de comunicação - assim se faz da intolerância um modelo de
comportamento e um mercado lucrativo.
A intolerância precisa
de Estado - do Estado de exceção, do estado de indigência do espírito humano,
do estado de mal-estar social.
A intolerância é a
inversão de valores básicos, como o respeito ao outro, ao diferente, a ponto de
o poeta Goethe nos alertar do risco de quando tolerar é que se torna injurioso.
Ser diferente é tido como ameaça coletiva.
Quando se completa a
banalização do mal, é sinal de que a intolerância alcançou seu ápice enquanto
instrumento de manipulação na luta pelo poder.
A intolerância é um
prato de pus oferecido como iguaria. Alguns apreciam. Outros engolem a
contragosto. Os que a recusam com coragem e altivez fazem a humanidade ser mais
digna desse nome.
*
Professor de Ciência Política e pesquisador do IPEA
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