Quando setembro vier
* Por Clóvis Campêlo
Para mim, agosto sempre foi o mês dos ventos. E essa ventania que
antecipava o verão, trazia-nos o tempo de empinar papagaios. As geringonças
eram construídas pelos próprios meninos do Pina, com tala de coqueiro, cordão,
papel celofane e e cola artesanal, feita com araruta ou goma.
Depois, preparava-se o cerol, uma mistura de cera com vidro moído,
colocado nas linhas para se derrubar os papagaios alheios. Na queda, o artefato
derrubado era de quem o pegasse primeiro. Era preciso agilidade nas pernas e
esperteza para se sobrepor ao bando destrambelhado que não respeitava nem o
perigo dos carros na Avenida Boa Viagem. O trunfo era exibido como uma
conquista de guerra e trazia respeito ao conquistador.
Mas isso, já faz tempo, 30 ou 40 anos atrás. Hoje, mudou quase tudo.
Gabriel, meu filho mais novo, ainda alcançou esse tempo nos terrenos baldios do
Cordeiro, hoje todos eles ocupados e construídos. Os espaços vazios da cidade
estão se extinguindo. Cresce a população e disso se aproveita a especulação
imobiliária para transformar o verde na natureza em concreto retilíneo e cinza.
Não há o que reclamar, porém. O novo e o progresso sempre vem, e é isso que faz
o mundo avançar rumo ao futuro.
Lamento, porém, pelo meu neto, Pedro, que não conheceu e não vai mais
conhecer essa brincadeira. Para ele, essas atividades coletivas, que integravam
a molecada e amadureciam as relações humanas na infância, foram substituídas
pelos jogos informatizados, onde muito se exercita a mente e pouco o corpo. Já
não vale a máxima da mente sã em corpo são. Esse conceito foi substituído pelo
prazer das vitórias virtuais, do mundo mágico dos computadores, onde, no final,
tudo se recompõe e restaura-se o equilíbrio edênico. Ou seja, entre mortos e
feridos, todos escapam. Ao menos isso.
Mas, se de início, a minha pretensão era passar pelos ventos de agosto
rumo ao sol de setembro, terminei por demorar-me demais nessas digressões,
ocupando quase todo o espaço que me cabia (por determinação própria, pois
detesto textos muito longos). As lembranças do azul do céu do Pina e dos seus
verdes mares ainda me excitam a memória e soltam a imaginação, irmãs quase
siamesas.
Tudo isso apenas para lembrar que mais um agosto se encerra hoje, já sem
o estigma do mês dos desgostos, nem mês dos cachorros loucos, onde o diabo anda
solto e muito menos o mês da sogra, figura injustamente por nós ridicularizada,
mas com uma nova referência para lhe recompor a imagem.
Foi em uma dessas noites do mês de agosto que ora se encerra que a
cidade do Recife teve uma das noites mais frias do ano, com o termômetro
alcançando a marca dos 17 graus centígrados.
Naquela noite, a cidade se superou e velhos casacos de lãs com cheiro de
mofo foram resgatados e exibidos com orgulho pelos nordestinados recifenses
acostumados ao calor úmido da Mauricéia.
*
Poeta, jornalista e radialista
Nenhum comentário:
Postar um comentário