Coordenando multidões
* Por Mara Narciso
Os físicos olham para o céu, embasbacados com a imensidão do universo, e
com a descoberta das leis universais colocam tudo em seus devidos eixos,
determinando a ordem e a direção da expansão das estrelas e seus anexos.
Entendem que há uma fuga lógica, e estes estudiosos descobrem que desde o
big-bang nascem e morrem estrelas e ainda, galáxias e buracos negros se
deslocam buscando seu destino. Nossa insignificante Terra vai junto. Leis
naturais regem o universo, buscando organizar o caos, desde quando “Fez-se a
luz”.
Os apaches eram alvos preferenciais dos mocinhos, e ao receberem um tiro
de rifle faziam da sua queda espetacular por sobre o cavalo malhado, o grande
show do cinema, sob os gritos dos meninos que vibravam com a morte daqueles
índios. A incipiente vingança vinha através do galope do bisão. Uma manada de
milhares de animais enfurecidos, tocada pelos índios partia em direção do
acampamento dos brancos, pisoteando e triturando objetos e pessoas. Os
indígenas norte-americanos conheciam a arte de dominar feras em grande número.
Três leões aproximam-se de um vistoso rebanho de búfalos, escolhem sua
vítima, um filhote pequeno e frágil, e têm certeza de que não haverá embate,
pois a presa já está vencida. O alvo berra acuado, enquanto a manada foge dos
invasores em bloco. Um búfalo, possivelmente o macho dominante, avalia a
situação, e com um grito de guerra e numa curva perfeita, faz a família
retornar para esmagar os leões, que largam o objeto do desejo e escapam
amedrontados.
Numa metrópole o trânsito de uma via de oito pistas está estrangulado,
ou anda lentamente, numa mão de direção, seguindo a vontade de chegar, que deve
ser de todos. Boa parte dos que estão trafegando sabe o que quer e para onde
vai. Têm um destino, embora não consigam nem chegar perto dele.
Certas doenças psiquiátricas cursam com aceleração de pensamentos, que
chegam aos milhares, esgotam o indivíduo fazendo dele um trapo, pois trazem
intenso sofrimento psíquico. Infelizes dos que vivem esse caótico momento. Até
a loucura precisa se organizar. E há medicamentos para isso. Nada funciona sem
uma ordenação.
Os caminhos por onde passam as informações da internet nada mais são do
que ruas e avenidas virtuais. Por elas trafegam incontáveis informações, em
harmonia. Quando os vírus desorganizam o sistema emitindo ordem para que um
único site seja acessado simultaneamente por milhões de computadores, o sistema
cai. O caminho se entope e não passa mais nada. O mundo virtual é regido por
suas próprias leis.
Na grande Maratona de Nova Iorque, a maior de todas, com seus 48 mil
corredores previstos para o ano de 2013, há um ponto de partida e outro de
chegada. A direção é uma só, e boa parte dos participantes quer chegar, mesmo
aqueles que não podem completar os 142 km e 136 m. Na largada dos que não são
de elite, estabelece-se uma ligeira confusão, pode haver quedas, fantasias,
palhaçadas, mas há um mesmo objetivo: avançar. Um deles será o vencedor.
Um grupo de jovens, terminadas as aulas, sai da escola, e apenas quer
voltar para casa, mas um espírito do mal instiga algum deles a fazer uma
malvadeza. É o que basta para que todo o grupo seja impregnado e cometa erros e
até barbaridades. Os pais custam a acreditar quando a polícia e as imagens
mostram o que aconteceu. Gente em grupo pode tomar atitudes monstruosas.
Podem-se passar décadas estudando o comportamento de grandes
agrupamentos humanos, e em se tratando de gente é comum a desobediência das
regras quando se está anônimo na multidão. A internet, entrando em todas as
frestas faz a chamada. Os grupos se formam. “Ordem e Progresso”. Essa pode ser
a intenção. Como Caetano já disse um dia que “a Praça Castro Alves é do povo”,
agora o Brasil todo é. “O Brasil é nosso”.
Não se consegue parar grandes números de corpos e de objetos, sejam eles
estrelas ou bisões, bytes ou multidões. A população decidiu cobrar a conta toda
de uma só vez. A direção possível é do tamanho do sonho de cada um. Nas linhas
de frente, batalhas, e nas linhas de retaguarda guerras de ideias e de ideais.
Multidões não gostam das lógicas que regem o universo, e o ruim: costumam ser
impacientes.
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”
Achei interessante a sequência narrativa que você deu a este texto, como cenas que se intercalam em cortes rápidos para desenvolver um raciocínio coeso e muito lúcido - diante do atual momento. Muito bom, Mara.
ResponderExcluirA minha capacidade de lidar com a matemática é muito restrita. Em termos de dinheiro, passou de 1000 eu já não sei do que se trata. Vendo a dificuldade de ordenar multidões que se querem sem líderes e sem partido, iniciei a lista de números altos de objetos e pessoas incontroláveis. Obrigada pela atenção de sempre, Marcelo.
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