domingo, 5 de agosto de 2012

Outra marca de expressão


* Pedro J. Bondaczuk


A crônica é um gênero que entrou tarde em meu cardápio literário. Foi em 1991, quando meu amigo, e colega de Correio Popular, Osmar Saboto, decidiu criar um jornal de bairro em Campinas, a Folha do Taquaral, que hoje já tem 21 anos (atingiu a maioridade) e é tradicional na imprensa campineira. Na ocasião, eu já estava empenhado em fazer literatura, mas concentrava toda a minha atenção em poesias, ensaios e principalmente contos, que sempre foram (e ainda são) a minha especialidade. Eu era há já bom tempo editor do Correio Popular e comentarista político desse prestigioso órgão de imprensa, onde publicava, há já mais de uma década, comentários rigorosamente diários, sem falhar um único dia da semana (e, por conseqüência, dos meses e dos anos).

Osmar queria que eu escrevesse crônicas, uma por semana (na ocasião a periodicidade da Folha do Taquaral era semanal) e eu aceitei o desafio, posto que tremi na base. Estive a pique de voltar atrás e desistir do compromisso. Por que? Porque até então eu jamais havia escrito um único texto desse gênero. Era, pois, uma novidade (e imenso desafio) para mim. Fui para casa preocupado e produzi a primeira crônica, super inseguro, como dá para imaginar. Na oportunidade, nenhum jornal de Campinas era informatizado. E era raríssimo o jornalista que tinha um computador próprio, luxo inacessível, então, à maioria dos bolsos. E ao meu também, claro.

Minhas edições e meus textos eram redigidos em duas máquinas de escrever diferentes, uma Olivetti Letera 32, na redação do Correio e uma Remington, em meu gabinete de trabalho particular, na minha residência. Redigi a primeira crônica cheio de dedos, achando tudo o que escrevia uma droga. Mesmo assim, encaminhei o texto ao Osmar. Este leu-o e achou-o genial. Não acreditei muito na palavra do amigo, mas comecei a mudar de opinião depois de ler um punhado de cartas de leitores, cada uma mais elogiosa do que outra, enviadas à redação da Folha do Taquaral. Não tardou para que começasse a receber convites de outros jornais “nanicos” de Campinas, de bairros, de paróquias, de sindicatos etc. E as reações eram todas positivas.

A partir de então, nunca mais parei de escrever crônicas. A periodicidade da produção era variável, ora semanal, ora mensal. Com o advento do computador e dos sites e blogs literários na internet, choveram convites para que eu fosse cronista fixo desses novos espaços. Como não gosto e não costumo dizer não para ninguém (mas deveria), fui aceitando e me comprometendo mais e mais. Em resumo: quando me dei conta, já tinha, em minha produção, algumas centenas de crônicas e a quantidade não parava de crescer.

Com a criação do Literário, em 2006 (e então eu já tinha, há um ano, o meu blog pessoal, “O Escrevinhador”) a necessidade de produção se multiplicou, face aos compromissos assumidos. Num quase piscar de olhos, o número de textos desse gênero literário atingiu o primeiro milhar. Isso aconteceu em 27 de julho de 2009, fato que registrei, na oportunidade, neste espaço, na crônica que intitulei “Mil e uma estrelas”. Na ocasião, comparei meu feito pessoal aos milésimos gols de Pelé e, posteriormente, de Romário. Mas levei muitos anos para alcançar essa marca. Para ser mais exato, foram 18 anos.

E por que escrevo tudo isso? Faço-o, creia-me amável leitor, até surpreso. Porque há treze dias, mais exatamente em 21 de julho de 2012, registrei a expressiva cifra de duas mil crônicas escritas. Isso dá bem a conta de como tem sido fértil de idéias e de produtividade o atual período. Se não, vejamos. Para atingir a marca de mil textos do gênero, precisei de 18 anos. Para dobrar este número, no entanto, bastaram somente três!!! Só no Literário, postei mais de 1.200 crônicas que o leitor mais cético poderá conferir sem nenhuma dificuldade. E tratei praticamente de tudo: de filosofia, história, ciências, psicologia, comportamento e vai por aí afora. Claro que não me aprofundei em nenhum tema. E nem poderia. Ademais, o aprofundamento nem é papel do escritor, mas de especialistas das respectivas áreas (e eu não sou, a rigor, de nenhuma).

O pitoresco (para não dizer trágico) de tudo isso é que, dos quatro livros que publiquei, apenas um é de crônicas: “Cronos e Narciso”. Contudo, se reunisse todos os textos do gênero que já escrevi eles perfariam considerável biblioteca de 40 volumes. Vocês duvidam? Façam as contas. Pela extensão de cada crônica, são necessárias 50 delas para compor um exemplar de 150 páginas (que com prefácio, índice e notas explicativas sobe para 160). A dedução fica para lá de simples. Basta dividir 2.000 por 50 para se chegar aos 40 volumes que mencionei. Nada mau, não é mesmo?

Pelo exposto, fica explícita nossa dificuldade em publicar nossos livros. Mantenho contato permanente com dezenas de editoras pelas redes sociais, como Facebook e Twitter, onde exponho, quase que diariamente, minha produção literária. Sabem quantas delas já manifestaram interesse em pelo menos conhecer melhor qualquer um dos meus livros inéditos? Nenhuma!!! Rigorosamente, nenhuma! Fico irritado, pois, quando leio ou ouço dizer que a literatura brasileira passa por crise de criatividade. Criar, nossos escritores estão criando, e muito, e bem. Mas fazer chegar o fruto da sua criação às mãos dos leitores é que são elas. Há crise, sim, mas de “oportunidades” (ou de falta delas), jamais de criatividade. Quem tiver argumentos sólidos para me contestar que os apresente agora, ou se cale para sempre.

* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk

Um comentário:

  1. Criação há, mas seriam criações originais e atraentes ao leitor comum? As pessoas estão lendo mais. Vende-se muito livros de auto-ajuda e ficção tipo aventura(pelo que vejo nas listas de mais vendidos). Os seus textos despertam os leitores, pelo menos os maduros (engano-me?), e são o chamariz do Literário que atrai em média 300 visitas por dia, há mais de três anos, só nesse endereço. Não entendo as editoras. Aqui em Montes Claros é possível publicar um livro(300 exemplares) por 3 mil reais. O ruim é que se fica com um problema: vender os livros (a 15,00). Muitos autores, desiludidos,e vendo os livros mofarem, dão de presente aos conhecidos, que muitas vezes nem abrem o presente. Escrever para ninguém ler é mais do que frustrante e lastimável, é tragédia. Estoicos e obstinados como uns e outros acabarão por mudar essa desafortunada realidade, e que seja em breve.

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