Foto: Glauber Prates
Viagem cromática ao deserto
* Por Mara Narciso
Cada um na sua indispensável função, inclusive aquele leigo que consome arte apenas para seu deleite. A linguagem de um crítico de arte, hermética e inacessível parece escrita para outro crítico. Artistas plásticos podem passar incólumes pelas considerações técnicas de suas obras. Estranho é, mas um pintor poderá descobrir o que quis transmitir nas suas telas apenas depois de ler as explicações dos críticos.
Márcio Leite é jornalista criado no cartum e na publicidade, sendo um artista plástico ligado ao humor e a pop-arte. Pode ser considerado fruto da dupla talento e marketing, outra especialidade em que navega. A sua última exposição cujo tema foi Dubai, iniciou-se no dia 1º de agosto e se estenderá até dia 15. O Dubai Apart-Hotel queria uma decoração original, contextualizada na temática oriente médio e na própria cidade, a nova metrópole cosmopolita dos Emirados Árabes Unidos, que escandaliza os que ousam mirá-la. Seu aparecimento súbito no deserto, deslumbrando visitantes e seus mais de dois milhões de habitantes, atrai e hipnotiza, tornando-se rapidamente um oásis de ficção científica. Era preciso retratá-la.
Os 12 trabalhos, em diversos tamanhos, multicoloridos, com suas molduras pretas, sintetizaram a grandiosidade de Dubai, numa leitura moderna, tanto quanto Dubai exige. O pintor, reconhecido aqui e alhures, enviou seu recado numa surpresa quadro após quadro.
Márcio Leite, conhecido internacionalmente pelo seu site Brazil Cartoon e obras no Irã e na China viajou para lá. Estudou Dubai traduzindo-a e a transportando para as telas com seu deserto e seus habitantes. De cara, colou na cena o sol flamejante do deserto, com um vermelho que arde, transformando o belo e misterioso em mais belo e misterioso ainda. Brincou com elementos em suas composições, colocando uma mesquita com suas cúpulas no lugar do bigode de um sheik, e uma barbatana de tubarão saindo do mar e invadindo a imagem de um prédio. Capturou mulheres em seus hábitos negros e sem rosto, atiçando reações nos espectadores. Outra muçulmana está lá representada com o rosto semi-encoberto pelo véu, e através dele mexe com a imaginação ocidental. As torres furando nuvens estão também representadas. As imagens provocam, e é o que se espera da permanente ebulição cerebral do artista. Dubai impressiona, mas sua representação by Márcio Leite também.
Com a sua habilidade com a tecnologia, o desenho animado e o cartum, Márcio Leite brinca com seus cubos mágicos e outras figuras geométricas empilhando e desempilhando seu deserto, e com isso criando novas roupagens para velhas paisagens. O resultado enfeitiça e captura o espectador, acontecendo uma comunicação via humor, ocasionada pelo inesperado. O amarelo e o vermelho predominantes seguram-se ao transportar o calor, a beleza e as edificações para as paredes. A amplidão do deserto é representada pela sequência de montanhas e pela diminuta caravana e fila de camelos no topo da duna. A silhueta desses animais é presença marcante nas obras, e aquele bicho estranho, que fica mais de 40 dias sem beber, tem mostrada sua elegância deselegante e excêntrica, numa beleza que encanta.
O que dá para se fazer juntando-se lado a lado um mar de águas claras, um deserto em sua amplidão e bilhões de petrodólares? Surgida num tempo vertiginoso, com edifícios tão altos quanto a vertigem que causam, Dubai é menina estranha e desacostumada com o próprio porte, por ter crescido rápido demais. Bonita e futurista, tem sua essência escondida e ao mesmo tempo se mostra provocante, e assim, ao ser descoberta, desperta cobiça no ocidente.
Márcio Leite deu-lhe uma roupagem fragmentada, nos mostrando como ele a viu. A obra de maior porte traz os elementos que identificam Dubai, desde a ilha em forma de palmeira com suas folhas cheias de edificações, quanto o hotel dentro do mar, que lembra a vela de um navio. Aquele que tem um campo de tênis no topo. A Dubai apoteótica foi transformada num mix de seriedade e brincadeira, numa arriscada superposição que não respeita distancias e nem proporções, e comunica-se lindamente como num desenho animado. Os elementos que a tornam inconfundível estão lá, eternos e para sempre. Redundante? Márcio Leite é redundante. Não há distância aonde não chegue a sua arte. Atinge o gosto até dos mais desavisados espectadores da sua obra. Especialmente quando o tema é Dubai.
*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade” – blog http://www.teclai.com.br/
Parabéns a Márcio Leite. Confesso que o conheço pouco. Provavelmente sua arte é mais valorizada "lá fora" do que aqui. E a sua dissertação, Mara, não deixa dúvidas quanto ao seu talento.
ResponderExcluirFico feliz com as suas considerações, Edir. Muito obrigada!
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